Cosmogonia é o termo utilizado para determinar uma ou mais teorias sobre a formação do nosso universo. Actualmente, não existem muitas dúvidas acerca do principal autor dessa "melodia secreta"- a energia, no entanto há cerca de 6000 anos atrás o homem necessitou de uma explicação para o inexplicável, para aquilo que não se conseguia explicar com simples palavras e simples actores. E no entanto, aquela que mais fez foi sem sombra de dúvidas a mais complexa de todas - a Natureza, nela se escondiam as bases da criação.
Para os Antigos Egípcios, que depressa iniciaram as suas bases cosmogónicas nos primórdios da sua civilização, a natureza era uma fonte rica em personagens mistificadas e adoradas. As tribos nómadas que durante o período pré-histórico e pré-dinástico (cerca de 4000 anos antes de Cristo) dominaram as planícies e oásis no actual Saara, construíram as fundações para aquilo que seria uma das cosmogonias mais espantosas do género humano. Essas ideias cosmogónicas representam o primeiro aspecto da civilização egípcia a chegar até nós. Graças a elas o clero1 pode explicar a criação do mundo e do cosmos cuja visão da época dava conta de duas forças antagónicas em constante luta: a Ordem e o Caos.
Paletas de Narmer – prova da Unificação do Alto e Baixo Egipto.
Ao longo de centenas
de anos, as diferentes tribos que viviam naquilo que ainda não era o Egipto,
aglomeram-se ao longo de um rio fértil - o Nilo, formando deste modo tribos
maiores e mais complexas, com esta complexidade surgiram as primeiras
dificuldades em unir as diferentes crenças. Mas estes diferentes dogmas viriam
a criar apenas um só com a unificação do Alto e Baixo Egipto (última divisão)
cerca de 3000 a .C.
pelo rei Narmer (alguns Egiptólogos defendem que outro rei, o rei escorpião,
iniciou essa unificação).
Nesse último dogma,
os sacerdotes tiveram a rude tarefa de agradar a todas as tribos unificadas. É
no entanto evidente que não houve passividade em tal acto, surgindo diversas
guerras internas que duraram todo o período da 0 Dinastia.
Mas qual a relação
com a astronomia?
Existe evidentemente
uma relação directa entre os conceitos cosmogónicos e as concepções do cosmos
para os antigos egípcios. A arqueo-astronomia é hoje uma ciência sobejamente
estudada, no entanto ainda permanecem centenas de mistérios por resolver. A
Astronomia egípcia – Cosmo-Egiptologia - não é excepção à regra, e é necessário
para todo o estudioso desta ciência saber os conceitos religiosos que levaram
ao conhecimento do cosmos.
Voltando à historia
em si…
Desde o período
pré-histórico os egípcios olharam para os céus diurnos e nocturnos, cedo
aperceberam-se da periodicidade de certos corpos celestes, como é o nascer e
ocaso do Sol. Para além destes fenómenos naturais de que voltaremos a falar ao
longo das próximas semanas, é importante relacionar estes fenómenos com a
própria natureza envolvente, isto é, relacionar determinado fenómeno natural
com poderes sobrenaturais dos animais. Assim sendo, um dos animais mais
frequente dos céus egípcios – o falcão, tornou-se um dos maiores deuses do
panteão Egípcio.
Apesar de aceite por
todas as diferentes tribos, o deus falcão Horus – deus do bem e protector do
Egipto unificado, é frequentemente confundido e inter-conectado com outros
aspectos. Horus identifica-se sobre vários aspectos:
·
Identificação de origem solar com o falcão "senhor dos
céus", filho de Hathor (relacionada com Ísis) que surge como criadora.
·
Identificação de origem Osiriana "filho de Ísis" e
Osíris, nascida da morte do seu pai, surge aqui como ponto de união a pequena e
a grande Eneida de Heliópolis.
·
Identificação com os deuses da Eneida mediana, o Horus irmão de
Ísis e Osíris, concebido de forma mágica quando seus pais se encontravam no
seio materno de Nut.
·
Identificação de Horus com o rei.
Todas as figuras dos distintos deuses Horus têm uma iconografia similar, tendo por vezes aspectos estranhos, mas existindo sobre forma mais comum como um falcão ou um homem de cabeça de falcão com o disco solar (Horajty) sobre a cabeça ou a coroa dupla2. Existem também outros deuses que apesar de não possuírem uma relação directa com Horus são representados como um falcão, chegando em alguns casos a ter alguns atributos de Horus. A sua caracterização carece de rigidez dependendo da versão e da passagem de textos que se consulta, como também da época e do lugar.
Apesar de Horus ser
um deus adorado em diferentes centros religiosos que se edificaram ao longo das
primeiras dinastias, essa versão de um deus único não explicava a complexidade
das leis do Maat (a ordem cósmica), surgindo no reinado do faraó Unas (2355 a 2325 a . C. – V Dinastia)
para resposta a esse dilema, um complexo conjunto de textos, denominados de
"Textos das Pirâmides".
Descobertos em 1881
em Saqqara, os "Textos das Pirâmides" despertaram a curiosidade dos
académicos do mundo inteiro, sendo Gaston Maspero o primeiro a tentar decifrar
a sua lógica. A primeira publicação é da autoria de K. Sethe, Die
altagyptischen pyramidentexte, 4 volumes, Leipzig, 1908-1922.
Os textos das
pirâmides fazem parte de uma colecção de textos religiosos gravados nas paredes
das pirâmides a partir da V dinastia. Estes textos constituíam rituais
fúnebres, fórmulas mágicas e cerimónias religiosas para facilitar ao faraó a
sua longa caminhada pela morte até a vida no Além, isto é, para aquilo que os
Egípcios acreditavam ser o Além – as Estrelas. As ideias cosmogónicas
representadas nas paredes das pirâmides datam do início da ideologia da
civilização egípcia, havendo passagens que se assemelham em parte a Estelas da
I Dinastia, isto demonstra-nos existir, já naquele tempo, um sistema religioso
complexo, existente antes mesmo dos textos serem reescritos no interior das
pirâmides.
Nestes textos está
particularmente bem patente uma ordem lógica da cosmogonia em relação contínua
com a astronomia. Na época, Heliópolis era um dos centros religiosos mais
importantes, os restantes centros eram: Hermanópolis, Menfis e Tebas, todos
eles com sua própria cosmogonia.
A datação das suas
cosmogonias são incertas, no entanto os primeiros passos foram dados no
pré-dinástico. Estes estão ligados entre eles por princípios fundamentais no
"Oceano Primordial" - o Nun, de onde saiu o poder da vida, aquilo que
para nós se pode assemelhar ao nosso Universo antes do suposto "Big
Bang":
·
Aqui existe um paralelismo estreito com o rio Nilo. Os
habitantes do Delta entendiam o Cosmos como um espaço limitado, a vida fluía e
o renascimento era periódico como as cheias do rio Nilo;
·
Outra ligação era a "Colina Primogénita", local onde
se origina a vida periodicamente devido as cheias do Nilo;
·
A terceira ligação era o Sol, como entidade de poder que provoca
o renascimento.
As lutas contínuas entre os diferentes centros religiosos, em particular entre o deus Seth (Nagana) e Horus (Hieracompolis) levaram a que Heliópolis se torna-se o centro religioso mais poderoso do antigo Egipto, nele se prestava o culto ao deus Rá e posteriormente a Horus:
·
A existência na época pré-dinástica de diferentes divindades com
cabeça de falcão demonstra a importância dada pelos egípcios às observações do
céu e consequentemente ao que por lá voa;
·
O culto de Horus sobre as suas diversas formas foi-se
assimilando ao longo da evolução dos conceitos cosmogónicos a partir da II
dinastia, assim, Horus transformou-se num dos principais deuses do panteão
egípcio a partir de Guerzense o Nagada II.
Heliópolis
mostra-nos os passos progressivos para estabelecer uma ordem no Cosmos sem se
preocupar com os elementos de desordem em si. Criada em três fases diferentes em redor de
um deus: Rá, possui uma simbologia clara e específica para cada uma delas, dando
uma sensação de uma estrutura geométrica que se cuida de entrelaçar elementos e
divindades do sul e do norte (Seth e Osíris).
A lenda de Heliópolis - ordem cosmogónica.
Assim sendo, a cosmogonia inicial foi:
·
Rá – Deus solar e criador. O grande deus Egípcio e senhor do
Maat, a Harmonia Universal. Tríada de Heliópolis com – Atum (Sol do anoitecer),
Rá (Sol do meio-dia) e Khepri (Sol da manhã). Aparece pela primeira vez
associado ao Deus-Faraó na II dinastia - Nebra (2800 a .C.), e a três nomes
da IV dinastia – Didufri, Kefren e Mikerinos, estes intitulam-se filhos de Rá,
um dos apelidos clássicos dos faraós a partir da V dinastia.
·
Geb – Deus da Terra. No Egito o céu é um fator feminino, a terra
um factor masculino. Na Origem Geb e Nut encontram-se estreitamente unidos.
Pedem a Shou (a Atmosfera) que os separe, sobre ordem de Rê. Geb é representado
como um homem dominado por Nut.
·
Nut – Deusa do céu estrelado, não se quer unir com Geb, Nut é
representada como uma mulher atravessando o hemisfério. Nut é também a mãe do
Sol, que decresce antes de ser engolido por Ela e renasce todas as manhãs.
·
Este casal constitui o segundo casal primordial, depois de Shou
(o Ar / Fogo) e Tefnou (a Água).
Para além dos "Textos das Pirâmides", surgiram vários outras fontes de conhecimentos das suas relações com o cosmos, o "Livro dos Mortos" é o fac-símile de maior importância para completar a nossa compreensão.
1 Castel E., Los Sacerdotes en el Antigo Egipto, Madrid 1998.
2 Coroa personificando o Alto e o Baixo Egipto.
Bibliografia:
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Textos das Pirâmides
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