domingo, 30 de setembro de 2012


Império Bizantino

Continuação do Império Romano no Oriente

“Rica em prestígio, mais rica ainda em dinheiro”

 

Introdução 

Muito se disse que a fé cristã foi o problema mais discutido na sociedade bizantina, levando mesmo ao surgimento de várias heresias.
Nas sociedades da Europa Ocidental isso também ocorreu?
Não, não ocorreu, pelo menos na Alta Idade Média, e não é difícil entender os motivos. Quando a Europa Ocidental viveu o processo de ruralização e a sociedade foi se restringindo aos limites do feudo, isso se manifestou no espírito dos homens da época.
Como? Por quê?
Poderíamos dizer que o espírito dos homens também se enfeudou, se fechou em limites bastantes estreitos: não havia espaço para discussão, e apenas a doutrina cristã pregada pela Igreja Católica Apostólica Romana povoava o pensamento e o sentimento humanos... As idéias cristãs eram colocadas como dogmas, inquestionáveis.
Enquanto isso, o que acontecia na sociedade bizantina?
Lá havia uma civilização urbana, e você sabe o quanto as condições de vida de uma cidade favorecem o desenvolvimento do pensamento.
E você não pode esquecer também o quanto a herança da Filosofia grega, de enorme influência na sociedade bizantina, contribuiu para um clima de polêmicas mais freqüentes, para um hábito de questionamento, típicos do pensamento filosófico.
Assim, não obstante o centro dos debates fossem temas religiosos, várias foram as interpretações surgidas sobre a origem e a natureza de Cristo. Mais ainda, muito embora as heresias fossem fruto das discussões entre os elementos eclesiásticos, elas acabavam por representar interesses políticos e econômicos de grupos sociais diversos.
Você poderá perceber bem isso no caso do Monofisismo. Por quê? Essa heresia difundiu-se nas províncias do Império Bizantino e acabou por ser identificada com aspirações de independência de parte da população síria e egípcia.
Novamente você poderá perceber a relação religião-política-economia se prestar atenção no caso da Questão Iconoclasta...
Enfim, como sempre, ao estudarmos a História das sociedades humanas, precisamos estar atentos à. relação de todos os aspectos da vida humana - o político, o econômico, o social e o ideológico. Apesar de ora um, ora outro, assumir um caráter dominante, você sabe que todos são igualmente importantes, embora o aspecto determinante do modo de vida de uma sociedade seja a forma pela qual os homens se organizara entre si, a fim de, agindo sobre a Natureza, produzirem os alimentos e os utensílios de que necessitam para sobreviverem.
E você já sabe qual era a estrutura econômica da sociedade bizantina, não é mesmo?
Vamos, então, conhecer melhor a vida dessa sociedade que tinha por capital uma cidade "rica em prestígio, mais rica ainda em dinheiro"...

Sua Formação


O Império Bizantino, também conhecido algum tempo pela denominação de Império Romano do Oriente, ofereceu grande contraste com as sociedades da Europa Ocidental:
_ O Império Romano do Ocidente foi incapaz de resistir às migrações dos germanos e hunos, fragmentando-se em reinos independentes, enquanto o Império Bizantino sobreviveu onze séculos, recorrendo à guerra e à diplomacia para repelir, desviar ou enquadrar os inúmeros povos invasores que se abateram sobre seus domínios;
_ As sociedades ocidentais européias até o século XII tenderam à ruralização e à descentralização do poder político, enquanto a sociedade bizantina manteve-se, essencialmente urbana e politicamente subordinada a uma Monarquia Despótica e Teocrática exercida pelo Basileus ou Imperador.
O Império Bizantino, contudo, teve origem romana, e os Imperadores do Oriente sempre afirmaram ser os herdeiros de Roma A crescente decadência e ruralização do Ocidente evidenciaram o contraste com o Oriente, mais rico cultural e economicamente, levando o Imperador Constantino a construir, no Oriente, a cidade de Constantinopla, destinada a ser a nova capital do Império Romano (330).
A cidade foi erguida no litoral da Tracia, entre o Mar Negro e o Mar de Mármara, em local onde outrora existira a colônia grega de Bizâncio. Este fato explica o emprego das denominações de Bizâncio ou Constantinopla para designar a cidade escolhida pelo Imperador Teodósio para ser a capital do Império Romano do Oriente (395). Na divisão então feita, o Oriente compreendia os Bálcãs, ilhas do Mar Egeu, a Ásia Menor, a Síria, a Palestina, o Egito e a Cirenaica:

Drama: “Romanização” ou “Orientalização”?


Em seus primeiros tempos, o Império Romano do Oriente conservou nítidas influências romanas, tendo as dinastias Teodosiana (395 - 457), Leonina (457 - 518) e Justiniana (518 - 610) mantido o latim como língua oficial do Estado, conservado a estrutura e as denominações das instituições político-administrativas romanas etc. A predominância étnica e cultural grega e asiática, entretanto, acabaria prevalecendo a partir do século VII.
Nos séculos IV e V, as invasões de visigodos, hunos e ostrogodos foram desviadas para o Ocidente mediante o emprego da força das armas, da diplomacia ou pelo pagamento de tributos, meios usados pelos bizantinos durante séculos para sobreviver.
Essas ameaças externas puseram em perigo a estabilidade do Império Bizantino, internamente convulsionado por questões religiosas que também envolviam divergências políticas. É o caso do Monofisismo, doutrina religiosa elaborada por Eutiques (superior de um convento de Constantinopla), centralizada na concepção de que só havia a natureza divina em Cristo. Embora considerada heresia pelo Concílio de Calcedônia (451), que reafirmou a natureza divina e a natureza humana de Cristo, a doutrina monofisista propagou-se pelas províncias asiáticas (Ásia Menor, Síria) e africanas (Egito), onde se identificou com aspirações de independência.
No século VI, Bizâncio teve no reinado de Justiniano (527 565) um dos períodos marcantes: a “primeira idade de ouro” segundo expressão de Paul Lemerle. Empenhado em reagir contra a orientalização do Império e o domínio do Ocidente pelos bárbaros, imprimiu a seu governo duas diretrizes básicas: a consolidação da autoridade imperial e a reconstituição do antigo Império Romano, mantendo o Mar Mediterrâneo como eixo da economia imperial.
Justiniano conservou ou restabeleceu os quadros administrativos romanos em todo o Império. O Direito Romano foi revisado e atualizado, para fortalecer juridicamente as bases do poder imperial e dotar o Estado de um sistema jurídico eficiente. O resultado desse trabalho é conhecido pela denominação de Corpus Juris Civilis, compreendendo quatro partes:
_ O Código de Justiniano (Novus Justinianus Codex), que continha toda a legislação romana revisada desde o Imperador Adriano
_ ODigesto ou Pandectas, que incluía um sumário da jurisprudência romana;
_ As Institutos, que constituíam um resumo para ser utilizado pelos estudiosos de Direito;
_ As Novelas ou Autênticas, que reuniam as novas leis de Justiniano.
A importância do Corpus Juris Civilis pode ser assim avaliada: “Foi neste Corpus Juris Civilis, obra-prima do Direito Romano, que os legistas da Idade Média e dos Tempos Modernos estudaram esta ciência, e foi também ele que serviu de base aos nossos códigos atuais.” – Segundo GENICOT, L. e HOUSSIAU, P., in  “Le Moyen Age”, Coleção Histoire et Humanités)
Uma política de numerosas construções públicas, atendendo a objetivos militares – centenas de fortificações (fortalezas e castelos) foram erguidos para melhor guarnecer as fronteiras - e políticos - evidenciar o poder imperial mediante obras monumentais como a Basílica de Santa Sofia - constituiu aspecto marcante do período.
A Corte imperial tornou-se mais requintada, subordinando-se à rígida etiqueta perante o Imperador ou Basileus: considerado o representante de Deus na Terra, seus poderes eram concebidos como de origem divina e todos deviam-lhe irrestrita obediência.
O caráter teocrático da Monarquia evidenciava-se nas representações da figura do Imperador em pinturas, vitrais e outras obras de arte : a cabeça imperial era rodeada de um halo, semelhante às imagens de santos. Ainda que continuasse a tradição do Dominato, o Dominus Noster inspirava-se nas Monarquias Despóticas e Teocráticas do Oriente.
Utilizando-se de poderosa frota de guerra e de numerosos exércitos, o imperador Justiniano empreendeu diversas campanhas militares no Mediterrâneo Ocidental, onde conquistou o Reino Vândalo (África do Norte), o Reino Ostrogodo (Península Italiana) e a região sudeste do Reino Visigodo (Península Ibérica).
        No dizer de Paul Lamerle, “(...) para ressuscitar a parte morta do Império, desenvolveu um esforço gigantesco que esgotou a parte viva”. (Histoire de Byzance, Coleção "Que Sais-je?" PUF., pág. 46.). Com efeito, as conquistas foram precárias, pois as forças de ocupação demonstraram-se insuficientes e as regiões reconquistadas estavam economicamente arruinadas. Além do mais, as campanhas desviaram recursos humanos e financeiros que deveriam ter sido utilizados contra crescentes ameaças nas fronteiras orientais (a pressão da Pérsia Sassânida foi contida por meio do pagamento de pesados tributo) e balcânicas (ávaros e eslavos realizavam constantes invasões, sendo que os últimos começaram a ser instalados como colonos nos Bálcãs).
A fim de cobrir os gastos com guerras e pagamento de tributos, o governo adotou rigorosa política fiscal, fator de inquietação social, como se evidenciou na Sedição Nika.
Iniciada no Hipódromo de Constantinopla, resultou de múltiplas causas, como a reação contra a tirania fiscal, o descontentamento de monofisistas contra a opressão imperial etc.
O movimento alastrou-se pela cidade e, para sufocá-lo, as tropas imperiais massacraram milhares de pessoas.
Em síntese, “(...) o balanço deste reinado foi decepcionante. A. ameaça persa continuava na fronteira síria; a reconquista do Ocidente foi apenas parcial; os esforços de romanização pouco sucesso tiveram e o latim, língua oficial do Império, só era compreendido por uma minoria”. (ARONDEL, M. e outros, op. cit., pág. 152)
  
"Os Bárbaros contemplavam com assombro os vestíbulos, as salas imensas e os gigantes da guarda. Viam escudos de ouro, lanças rutilantes de ouro, capacetes de ouro, penachos escarlates (...) Contemplavam as outras maravilhas desta pompa ilustre. Acreditavam que o palácio dos Romanos era um outro céu (...) Quando a cortina foi aberta (...) o ávaro levantou os olhos para o César, cuja fronte era cingida por faiscante diadema sagrado. Três vezes ajoelhou-se, prosternou-se, adorou o Imperador e permaneceu como rosto junto ao chão."
(Flávio Corippus [530-585], De Laudibus Justini. Citado por GENICOT, L. e HOUSSIAU, P., op. cit., págs. 42 e 44.)

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