domingo, 28 de setembro de 2014

Oriente e Ocidente: Demarcação


Introdução
Partindo da bipartição entre Oriente e Ocidente que remonta à Pré-história, quando da separação dos povos, línguas e religiões - fenômeno unitário - é necessário demarcá-los para ter clareza quanto a sua abrangência. Não podemos estudar o Oriente, sem saber o que o distingue do Ocidente e sem considerar a existência dos vários Orientes.
Será que termos tão genéricos quanto filosofa ocidental e filosofia oriental tem alguma unidade? Estarão incluídas nessa bipartição todas as culturas da Terra? Que dizer das culturas africanas, ameríndias, australianas etc? Há uma unidade cultural no Oriente?
Para responder a esta e tantas outras perguntas congêneres, procedamos por etapas.

Primeira Etapa: Ocidente e Orientes
Conforme o enigmático autor René Guénon (1886-1951), crítico acérrimo do Ocidente moderno, pode-se perfeitamente falar de uma mentalidade oriental oposta em seu conjunto à mentalidade ocidental mas não se pode falar de uma civilização oriental como se fala de uma civilização ocidental e já que há várias civilizações orientais nitidamente distintas (1). Teríamos, assim, uma civilização ocidental e várias orientais. Por outro lado, a unidade cultural (2) da civilização ocidental moderna só repousaria num conjunto de tendências que constituem uma certa conformidade mental, uma simples unidade de fato, sem princípio, desde que o Ocidente rompeu com a Cristandade, seu princípio constitutivo até a Idade Média. Enquanto que as civilizações orientais, por mais diversas que sejam, cada uma repousando sobre um princípio de unidade diferente, trazem todas certos traços culturais comuns, principalmente quanto aos modos de pensar, o que permite dizer que existe, de um modo geral, uma mentalidade especificamente oriental (3).

Segunda Etapa: Critério Geográfico
O ponto de partida para caracterizar o Oriente e o Ocidente é geográfico, no entanto tais conceitos geográficos revelam profundo conteúdo cultural. Nesse sentido, e em primeira instância, podemos dizer que o Ocidente é fundamentalmente a Europa, o Oriente é fundamentalmente a Ásia. Não é preciso salientar o imenso conteúdo cultural de tais realidades. A oposição entre Oriente-Ocidente é a oposição Europa-Ásia. Então, estão excluídas da bipartição Oriente-Ocidente todas as civilizações que não pertencem à Eurásia, como as da África, da América, da Austrália, da Oceânia etc. É um ponto assentado por historiadores, não sem contestação, que na Ásia principiaram as primeiras civilizações humanas. Diz-nos o famoso historiador italiano do século passado, Cesare Cantù (4)(1804-1895), que a Ásia é o breço do gênero humano e da civilização, sendo não só a parte mais extensa do mundo como também a mais favorecida pela natureza. Pelo menos para o início dos povos civilizados a Ásia avantajava-se em relação à Europa. As primeiras grandes civilizações nasceram no chamado Crescente Fértil, região que vai desde o Egito até a Mesopotâmia. Nesse caso o Egito, apesar de ser África, tem sua história muitos mais entremeada com a dos povos da Ásia do que com os da África, como a Etiópia, inimigo irredutível da ordem egípcia.

Terceira Etapa: Mitologia
Muitos contestam essa primazia da Ásia. As cidades mais antigas do mundo estariam na América. Temos aqui uma problemática complexíssima referente às origens humanas, bem como um intrincado labirinto de mitologias, que apenas mencionamos porque muitos mitos estão relacionados à bipartição Oriente-Ocidente. Apesar de muitas tradições, como a tradição suméria, a persa e a hebraica colocarem o paraíso perdido na Mesopotâmia, inúmeras outras insistem em colocá-las no extremo Ocidente. O mito da Atlântida, por exemplo, que cativou profundamente a Platão (427a.C.-327a.C.) em sua velhice, a ponto de tê-lo levado consigo ao túmulo (5), revela uma participação primordial do Ocidente na civilização humana: uma ilha entre a Europa e a América em que seu principal representante, Atlas, o atlante, está ligado ao Jardim das Hespérides (Hespérides quer dizer Ocidente!), imagem do Paraíso. Vários outros mitos orientais, como o do famoso Paraíso de Amida, colocam o Paraíso no Ocidente (6). A América redescoberta é, no imaginário europeu, a redescoberta do Paraíso. Este mito é a matriz geradora de todos os posteriores mitos socialistas ocidentais. Não sendo esse tópico central para o nosso tema, basta mencioná-lo. Consideramos serem necessárias muitas outras descobertas e aprofundamentos para que se possa, talvez no futuro, desemaranhar esse misterioso passado.

Quarta Etapa: Etimologias
A palavra oriente vem do latim oriens, ‘o sol nascente’, de orior, orire, ‘surgir, tornar-se visível’, palavra da qual nos vem também ‘origem’. A palavra ocidente nos vem do latim occidens, ‘o sol poente’, de occ-cidere, de op, ‘embaixo etc’, e cadere, ‘cair’. Seríamos induzidos a seguinte analogia: da mesma maneira que o sol nasce no Oriente e morre no Ocidente, assim também a cultura nasce no Oriente e morre no Ocidente.
Os termos Europa e Ásia são mais incertos quanto a suas raízes primitivas. A palavra europa, conforme o citado dicionário, é provavelmente de origem semita, do acádico erebu, ‘entrar, por-se’ (dito do sol), ereb chamshai, ‘por do sol’. Nessa hipótese, Europa que dizer exatamente Ocidente. A forma E u r v p h , como no nome E u r -v p h , ‘cara larga’, seria apenas um tendência de helenizar as palavras estrangeiras. A palavra ásia, também viria do acádico asu, ‘ir-se, surgir’ (dito do sol), significa, então, exatamente o mesmo que Oriente. Com isso, Ásia e Europa, Oriente e Ocidente, são sinônimos.
Não são no entanto seguras essas etimologias de Ásia e Europa. Uma coisa porém é certa, que o nome Europa está ligado ao mito relacionando gregos e fenícios (7). Zeus, em forma de touro, rapta uma mulher fenícia, a bela Europa.Assim, o nome Europa é nome que vem do Oriente, não se sabe, porém, como.

Quinta Etapa: Grandes Culturas
Quando se procura caracterizar o que seja uma grande cultura, não se pensa em primeiro lugar num critério valorativo. Uma grande cultura não é necessariamente uma cultura superior. É, porém, certamente uma cultura que quer expandir-se, que quer totalizar seu espaço geo-político. Por exemplo, a cultura que surgiu na confluência do Rio Amarelo e do Rio Wei, na China, acabou por dominar todo o espaço da China. Ainda hoje temos remanescentes de numerosas culturas na China que permaneceram em seu estado tribal. Esta tendência à expansão, que podemos perfeitamente chamar de imperialista, ou seja, de querer imperar universalmente, é um traço característico do que se denomina uma grande cultura.
Ora, na Europa surgiu um grande sistema cultural que culminou no que chamamos de cultura ocidental. O que caracteria a cultura ocidental é ser esta a síntese de três culturas: a grega, a romana e a judaica, esta na componente cristã. A esta cultura assimilaram-se e a dinamizaram os povos germânicos. Então, nem a cultura grega, nem a romana e nem a judaica, separadamente, constituem a cultura ocidental. Nesse processo de integração entre essas três culturas, destaca-se, para complicar as coisas, um bloco oriental, o greco-bizantino, em que a componente romana teve um papel secundário, e que assimilou os povos eslavos. O Império Romano do Oriente e o posterior Império Bizantino são por assim dizer o Oriente ocidental, o "Oriente Europeu", mas não o que chamamos propriamente de Oriente. Poderíamos dizer que suas duas capitais históricas, Roma e Constantinopla, hoje estão representadas por Washington e Moscou. Tudo isso é, no entanto, Europa, ou melhor, Ocidente. Deve-se constatar que foi a Rússia que se expandiu para a Ásia. No entanto, esta tendência poderá inverter-se em favor da China.
Paralelamente, na Ásia, em que encontramos uma incrível pluralidade de línguas e culturas, surgiram, depois de um longo desenvolvimento histórico, três grandes sistemas culturais - e não um - que foram denominados por sua relação de proximidade com a Europa de: 1. Próximo-Oriente, 2. Oriente-Médio e 3. Extremo-Oriente, e que constituem o que hoje se denomina especificamente de Oriente.









Sexta Etapa: Os Três Orientes
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Pode-se ver pelo mapa os três Orientes, clara e geometricamente distintos, e que não haveria a menor possibilidade de confundir o Próximo-Oriente com o Oriente-Médio.
Vejamos agora esses três Orientes.
O Próximo-Oriente
O Próximo-Oriente é constituído pela cultura árabe. Nem sempre foi assim. Tivemos, no passado, inúmeras culturas nesse mesmo espaço: a cultura suméria, a egípcia, a assiro-babilônica, a persa, a judaica, a grego-romana, a greco-bizantina etc. Hoje temos a volta dos judeus à Palestina, rompendo a antigo equilíbrio. Temos que assinalar que hoje (vide o mapa 2) confunde-se o Próximo-Oriente com o Oriente-Médio, principalmente no Brasil. Havendo um conflito na Palestina nossa impressa e mídia eletrônica fala de um conflito no Oriente-Médio, enquanto que a televisão alemã, em relação ao mesmo conflito se refere ao Próximo-Oriente (Konflikt in Nahosten). É como se o Próximo-Oriente não existisse mais! (8)
O Próximo-Oriente, segundo Guénon, começa nos confins da Europa e extende-se tanto pela parte da Ásia, mais próxima da Europa, quanto por toda a África do Norte. As populações bérberes da África do Norte não se confundem com os árabes, no entanto, na medida em que possuem uma unidade, esta é não somente muçulmana mas também árabe em sua essência. O grupo árabe, no mundo muçulmano, é primordial, pois é com ele que o Islão nasceu e é a língua árabe, a língua tradicional de todos os povos muçulmanos, qualquer que seja sua origem e raça. Ao lado grupo árabe, há dois outros grupos principais, o grupo turco-mongólico e o grupo persa. O primeiro compreende os turcos e os tártaros, que apesar de racialmente diferirem dos árabes, destes dependem culturalmente. Todos estes formam um conjunto que se opõe ao grupo persa, formando a separação mais profunda que existe no mundo muçulmano, separação que se exprime, ainda que não de todo extamente, dizendo que os primeiros são sunitas enquanto que os persas são xiitas. No entanto, grupos muçulmanos encontram-se também na Índia e na China. A Pérsia, por seu passado, raça, cultura e religião antiga, e mesmo geograficamente, deveria pertencer propriamente ao Oriente-Médio, mas hoje é inteiramente muçulmana.
O Oriente-Médio
O Oriente-Médio é constituído pelo universo cultural hindú (9). Propriamente deveria compreender duas civilizações: a hindú e a dos antigos persas, mas a segunda como vimos passou para o Próximo-Oriente, e os remanescentes parsis formam pequenos grupos na Índia e no Cáucaso. Então, essa civilização indiana, compreende, em sua unidade, povos de raças bem diversas, bem maiores que as diferenças encontradas em toda a Europa. No entanto, esses povos são portadores de uma mesma cultura, uma mesma língua culta: o sânscrito (10). Essa cultura hindú expandiu-se mais para o leste do que para o oeste, em certas regiões como a Birmânia, o Cambodja, a Tailândia e algumas ilhas da Oceânia. Sua maior influência deu-se através do budismo, em grande parte da Ásia central e oriental.



O Extremo-Oriente
O Extremo-Oriente constitui-se pelo universo da cultura chinesa. Extende-se ao Vietnã, Coréia. O Japão também está incluído, principalmente por ter adotado o sistema de escrita chinesa. Contudo, possui também uma cultura própria, com elementos bem característicos e diferenciados. Este mundo do Extremo-Oriente possui uma unidade racial bem mais acentuada do que os outros Orientes. O que unifica esta cultura é principalemnte a língua escrita chinesa comum. Poderíamos salientar que o Tibet, povo de raça chinesa, cuja língua pertence ao grupo sino-tibetano, voltou-se para a cultura hindú, tendo empregado inclusive um alfabeto derivado do alfabeto devanagari (11).

Sétima Etapa: Expansão
Esta divisão é fundamental. Temos claramente três Orientes distintos com suas línguas, religiões, culturas e histórias diferentes (12). Essas quatro grandes culturas, o Ocidente e os três Orientes, expandiram-se em várias partes do mundo. É importante ressaltar que as áreas onde se expandiram essas culturas, são consideradas como pertencentes à mesma, assim, por exemplo, o norte da África que já foi de cultura Ocidental-Cristã hoje é de cultura Oriental-Islâmica. A Australia, no extremo leste, é de cultura ocidental.

Conclusão
Há certamente uma origem pré-histórica da bipartição Oriente-Ocidente, difícil de ser penetrada, marcando, para muitos, uma diferença irredutível (13). Houve vários encontros entre Ocidente e Oriente, desde a mítica Guerra de Tróia até as guerras em tempos históricos, como as guerras greco-pérsicas. O escritor latino Firmianus Lactantius (ca.250d.C.-330d.C.), convertido ao Cristianismo, diante da iminente derrocada do Império Romano, disse que, conforme uma antiga tradição imemorial, o Império Romano seria destruído voltando a ser asiático, e essa catástrofe precederia o fim dos tempos (14). Parece incrível que tivesse permanecido na consciência histórica dos romanos uma tradição que remonta à origem da separação Oriente-Ocidente e que a volta da Europa à unidade indiferenciada seria a volta ao caos.
Devemos considerar, para finalizar, que os três Orientes estão vivos e presentes no mundo de hoje, e que depois da ocidentalização global, através da revolução planetária da tecnologia, emergem os mesmos, lutando pela supremacia no mesmo campo de batalha econômico-tecnológico ocidental (15).
Para o mundo globalizado de hoje é preemente um conhecimento recíproco profundo entre Oriente e Ocidente. O ponto de partida deve ser uma demarcação clara do que sejam os três Orientes e o Ocidente em suas unidades e oposições.

1- René Guénon - Introduction Génerále a l’étude des Doctrines hindoues. Paris, Les Editions Véga, 1964. De interesse para este artigo são os capítulos primeiro e segundo, pp. 53-65.
2- Usamos os termos civilização e cultura numa relação análoga à de corpo e alma: substancialmente unidos sem confusão de substâncias. Há, no entanto, grande variedade de acepções e usos quanto a esses dois termos.
3- op.cit. p.53.
4- cf. Cesare Cantù - História Universal. buenos Aires, Editorial Spena, 1950. Consultar o livro II, capítulos 1-5, sobre Ásia: vol. I, p.103-125.
5- O mito é mencionado no Timeo 24d-25d e depois tratado no Crítias 120e-121c, diálogo inacabado que termina com uma reunião dos deuses por Zeus em que ele iria dizer o motivo do castigo dos atlantes.
6- Recomendo a sugestiva obra do autor russo Dimitri Merejkowski (1865-1941): - Atlântida-Europa: O Mistério do Ocidente. Belgrado, 1930. Dispomos da tradução italiana: L’Atlantide-Hoepli. Milão, 1937.
7- Gerhard Herm - A Civilização do Fenícios. Otto Pine editores, 1979, pp 229-230.
8- Parece que a Índia depois de Jawaharlal Nehru (1889-1964) retirou-se do cenário internacional. Assim, se explica que a designação Oriente-Médio confunde-se com a de Próximo-Oriente.
9- Indicamos a obra de de Pierre Gourou - Le terre et l’homme en Extrême-Orient. Paris, Flamarion, 1972.
10- Isto não impede que todas as etnias possuam suas próprias línguas dialetais, os vários prakrti.
11- devanagari quer dizer ‘divina escrita de cidade’, é o nome do alfabeto sânscrito.
12- Para ulteriores aprofundamentos recomendamos a obra de Pierre Gourou - L’Asie. Paris, Hachette Université, 1971.
13- Como Rudyard Kipling (1865-1936), escritor e poeta inglês e que de 1882 a 1889 foi jornalista na Índia. Em seu famoso romance Kim (1901), ambientado na Índia, aprofunda o modo de pensar e agir recíproco dos inglese e hindús. É dele a supreendente frase: O Oriente é Oriente, o Ocidente é Ocidente e não se encontrarão nunca.
14- cf. Johannes quasten - Patrologia. Slamanca, B.A.C., 1961, p.665-683.

15- Essa ocidentalização do mundo foi apenas material, não espiritual, um Ocidente sem sua alma, o cristianismo.

História da Cultura Antiga

As Diversas Profissões:

         Além das óbvias ocupações agrícolas que, certamente empregavam mais de 80% da população comum, havia também outros vários empregos que um Egípcio poderia ocupar. Os que davam mais poder e status estavam ligados aos templos e ao serviço burocrático nacional, sendo assim, se tornar Sacerdote ou Escriba eram o sonho de muitos indivíduos. No entanto, tais profissões requeriam que a pessoa soubesse ler e, muitas vezes, escrever, sendo assim, acabavam restritas aos filhos de pessoas importantes (ainda que apenas importantes localmente, no contexto dos Spat) e apenas raramente alguém realmente do povo conseguia ascender a uma dessas posições, no entanto, esse tipo de serviço, ou seja, saber ler, constituía uma oportunidade real de se melhorar de vida (se levarmos em consideração as oportunidades de enriquecimento advindas da corrupção que, em muitos períodos, assolou a burocracia nacional, podemos perceber que a sociedade Egípcia possuía uma certa mobilidade, apesar de não poder ser considerada exatamente uma sociedade de classes).
        O artesanato, seja ele a confecção de estátuas, de jóias, de enfeites... era outra profissão muito comum no Egito e, por requerer uma boa dose de dedicação e aprendizado, podemos pensar que talvez fosse hereditária, sendo assim, ninguém escolheria ser um artesão, apenas se tornaria um se seu pai também o fosse.
         O trabalho em madeiras deveria ser uma profissão nobre e deveria haver poucos indivíduos capacitados a ela em todo o Egito, estes, contudo, deveriam ser muito bem remunerados e não é de se duvidar que, dada a raridade da madeira no Egito, o indivíduo capacitado a construir tronos, cadeiras, mesas e esquifes também deveria ser capaz de construir navios, deveria ser um trabalhador da madeira.
         Outra profissão da qual não podemos nos esquecer é a de trabalhador das Necrópoles. Em geral estes indivíduos estavam associados a algum templo e, se ele fosse trabalhador da Necrópole Régia, talvez estivesse sob as diretas ordens do Clero de Amon. Estes indivíduos devem ter tido grande poder, visto que, segundo vimos, durante o governo de Ramsés XI, tais trabalhadores foram capazes de depor o Sumo-Sacerdote de Amon com suas revoltas.
         Os remadores, barqueiros, marinheiros, capitães e pescadores também devem ter tido um destaque muito grande dentro do contexto Egípcio, visto que o país não contava com estradas e, dessa maneira, todas as comunicações se davam através do Nilo. Desde mensagens até a pesca e o comércio nacional e internacional, tudo passava pelas águas e, conseqüentemente pelas mãos desses profissionais.
         Arquitetos parecem ter gozado de grande prestígio entre os Faraós, no entanto, ao que parece este cargo não estava disponível aos homens do povo, ficando antes, restrito aos homens de confiança e até, muitas vezes, da família do Faraó, assim como também eram restritos os cargos de oficial do exército e de médico. Estes, por sua vez, muitas vezes eram Sacerdotes capacitados na cura e esta, ao contrário do que se pensa, não era muito desenvolvida no Egito. Na verdade, a medicina Egípcia era muito mais um amontoado de simpatias e fórmulas mágicas do que uma ciência verdadeira. A medicina como ciência só viria a nascer na Idade Média e na Pérsia, não no Egito. Ainda assim, os Egípcios realizavam pequenas cirurgias, amputações, extrações dentárias (que, apesar de fazerem parte da gama de atribuições atuais do dentista, quando se trata de civilizações antigas, pode-se dizer com segurança que eram desempenhadas pelos “médicos”). Chás e emplastros eram considerados os maiores remédios, mas não visavam curar o corpo, mas sim, o ka do paciente, visto que doenças sem um motivo aparente (por motivo aparente podemos tomar um golpe na cabeça, uma flechada, uma mordida de crocodilo, mas não uma gripe, por exemplo) eram vistas como desequilíbrios espirituais que deveriam ser curadas, sobretudo, através de rezas e poções mágicas. Com efeito, para os Egípcios era mais fácil cuidar de uma perna decepada por um ataque de um leão do que de um simples resfriado.
         Talvez o Clero que por mais tempo perdurou no Egito e que mais se difundiu por todo o país sem, contudo, nunca participar ativamente das disputas pelo poder, mas, ao contrário, mantendo-se à margem da sociedade, habitando em templos-oficinas nas bordas das cidades, tenha sido o Clero de Anúbis. Não incluí os Sacerdotes de Anúbis entre os Sacerdotes normais porque suas atribuições eram completamente diferentes, ao invés de se dedicarem a leituras e/ou ao culto do Deus, os sacerdotes de Anúbis se dedicavam à mumificação. Poucos eram os que oravam a Anúbis, mas praticamente todos passavam pelas mãos de seus Sacerdotes antes do derradeiro descanso. Mais uma vez, ao contrário do que se aprende nas escolas e ao contrário do que muitos pensam, a prática da mumificação ensinou muito pouco aos Egípcios no tocante ao funcionamento do corpo humano, no entanto, sobre a mumificação, em si, falarei mais adiante.
        Havia outras inúmeras profissões, como a prostituição, as profissões ligadas à criminalidade, como a dos saqueadores de sepultura e dos ladrões urbanos, a olaria (fabricação de tijolos), a pintura (usada na decoração de ambientes e de sepulturas), o entalhe (também utilizado na decoração de ambientes, e sepulturas)...
         Devemos, por fim, atentar para o fato de que as profissões ligadas à milícia e ao exército eram, em geral, exercidas por mercenários estrangeiros estes, por sua vez, eram os únicos trabalhadores pagos em ouro, visto que os demais trabalhadores estatais eram pagos em gêneros agrícolas, sobretudo o trigo. Os trabalhos considerados muito pesados, como aqueles nas minas, eram relegados aos escravos e, além disso, o trabalho temporário utilizado na construção de templos, palácios, pirâmides, diques de irrigação e obras públicas em geral era baseado especialmente na mão-de-obra agrícola que estava ociosa durante o período de cheia.

Responda


Discorra sobre as relações de trabalho e seu significado dentro da cultura egípcia.

exercícios

História Antiga Ocidental

01)  - A Grécia conviveu com formas políticas de governo variadas que contribuíram para debates significativos sobre a ética e a cidadania. A experiência política dos gregos, no período governado por Péricles, em Atenas:
(     ) reforçou a monarquia eletiva, com a ampliação da cidadania para os estrangeiros asiáticos, garantindo um sistema democrático na escolha dos governantes.
(    ) promoveu a divisão da população da Ática em dez tribos, contribuindo para o fortalecimento de práticas democráticas, de acordo com as condições da época.
(    ) consolidou o poder da nobreza, influenciando o surgimento da tirania e do ostracismo e excluindo os estrangeiros da participação política.
(   ) trouxe uma maior consolidação da democracia, com a existência de uma assembléia, onde votavam os cidadãos Atenienses, revelando um grande interesse pelos debates políticos.
(    ) garantiu maior poder para os cidadãos, transformando a Bulé no órgão mais importante do governo, garantindo novos rumos para as relações políticas da época, em toda a Grécia, e condenando o imperialismo dos persas.

02) - O historiador ateniense Tucídides, que viveu durante a Guerra do Peloponeso, escreveu sobre os gregos:
"... antes da Guerra de Tróia, [os habitantes da] Hélade nada [realizaram] em comum. Este nome mesmo não era empregado para designá-la no seu conjunto. [...] O que fica bem comprovado [nos livros de] Homero: ele que viveu numa época bem posterior à Guerra de Tróia, não utilizou a designação [de helenos] para o conjunto [dos gregos]. [...] Não utilizou, também, a expressão "bárbaros" porque, na minha opinião, os gregos não se encontravam ainda reunidos [...] sob um único nome que [lhes] permitisse [diferenciar-se de outros povos]. De qualquer forma, aqueles que receberam [mais tarde] o nome de Helenos [...] nada fizeram conjuntamente antes da Guerra de Tróia. [...] Essa expedição mesma os reuniu apenas num momento, naquele em que a navegação marítima encontrava-se mais desenvolvida".
(Tucídides. "A guerra do Peloponeso". Século V a. C.)
Baseando-se no texto, responda.

a) Qual característica política dos gregos na Antigüidade é apresentada por Tucídides?


b) Por que, apesar da situação política expressa por Tucídides, pode-se falar de uma antiga civilização grega?


03) - As religiões e as mitologias são formas de se explicar os mistérios do mundo que tiveram grande importância para a formação dos povos da Antigüidade. A mitologia grega, por exemplo, criou narrativas sobre a natureza, os sentimentos humanos presentes no imaginário do mundo ocidental. Dentro dessa perspectiva, analise os enunciados a seguir.
(  ) O mito de Prometeu continua sendo lembrado na atualidade, representando a possibilidade do ser humano de desafiar os deuses e construir a cultura.
(    ) O mito de Édipo tem relação com a idéia de destino e com a dificuldade dos seres humanos diante dos obstáculos da vida.
(     ) Os deuses gregos eram poderosos e imortais, não tinham as fraquezas humanas e dominavam o mundo com suas astúcias.
(   ) Muitas obras da literatura grega se inspiraram nas histórias vividas pelos mitos, com destaque especial para as obras de Homero.
(     ) A mitologia grega desenvolveu-se sem vínculos com a religião da época; os mitos e os deuses eram cultuados de forma totalmente independente.

04) - Péricles, que governou Atenas de 461 a 429 a.C., definiu o sistema político de sua cidade da seguinte maneira:
"Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos mas da maioria, é democracia". Porém, para muitos historiadores modernos, ainda que se considere Atenas como local de origem e paradigma da democracia, ela não foi uma democracia modelo, pois existiam grupos sociais que eram excluídos do processo político.

Sobre a sociedade e os sistemas políticos da Grécia antiga, é correto afirmar:

(01) Diferentemente da vizinha Atenas, a cidade de Esparta adotava uma forma de governo conhecida como oligarquia ou diarquia.
(02) Com Péricles, a democracia ateniense foi ampliada; porém seu governo também foi marcado pelo auge do escravismo.
(04) Desejando expandir seu sistema político, Atenas submeteu Esparta e Tebas e deu aos habitantes dessas duas cidades os mesmos direitos conferidos aos atenienses.
(08) Durante o governo de Péricles, os cidadãos atenienses, independentemente da situação econômica de cada um, deveriam participar das assembléias e decisões de governo.
(16) No século V a. C., as conquistas militares de Alexandre Magno expandiram o domínio político de Atenas até a Península Itálica.
(32) Ao se dizer que o sistema político ateniense não era uma "democracia modelo", faz-se referência ao fato de que apenas uma parte de seus habitantes eram reconhecidos como cidadãos.
Soma (       )

05) - "... Dividiu-se em três partes o Universo, e cada qual logrou sua dignidade. Coube-me habitar o mar alvacento, quando se tiraram as sortes, a Hades couberam as brumosas trevas e coube a Zeus o vasto Céu, no éter, e as nuvens. A Terra ainda é comum a todos, assim como o vasto Olimpo."
            (HOMERO. "llíada". São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1961. p. 261-262.)

Segundo o texto de Homero, a origem do universo é explicada pela divisão feita por Cronos entre seus três filhos: Possêidon, Hades e Zeus. A visão mítica revelada por relatos como esse permeou as sociedades gregas e romanas da Antigüidade e atribuiu um caráter religioso ao seu legado artístico e cultural. Sobre a religião dessas sociedades, é correto afirmar:

(01) A mitologia era a base da religião, celebrada no culto aos antepassados, aos deuses e aos heróis.
(02) Para os romanos, os deuses eram seres que não se identificavam com os vícios ou com as virtudes dos seres humanos.
(04) Os mitos relatavam a criação do mundo e as relações entre deuses e homens, apresentando exemplos morais que deveriam pautar o comportamento humano.
(08) Na religião da Grécia e Roma antigas, os heróis eram homens que praticavam ações extraordinárias, recebendo a mesma veneração destinada aos deuses.
(16) Na Grécia, o culto a Júpiter não permitia a veneração de divindades protetoras das diversas cidades.
(32) O conjunto de mitos criado pelos gregos permaneceu inalterado mesmo depois de sua adoção pelos romanos.
(64) Na sociedade grega, estabeleceu-se uma relação íntima entre arte e religião; a arquitetura, a escultura, a poesia e o teatro tinham como fundamento o culto religioso e a perpetuação dos mitos.
Soma (       )

06) - A democracia está sempre na berlinda. Do mundo clássico ao contemporâneo, houve sempre quem não a julgasse ser o sistema ideal de governo. As tentações para subvertê-la têm-se manifestado historicamente. Há, no entanto, um lastro de conquistas democráticas que se afirmou ao longo do tempo. Com relação à evolução da experiência democrática, julgue os itens a seguir.

(1) O laconismo e a disciplina militar possibilitaram o desenvolvimento dos estudos filosóficos e humanistas no seio da sociedade espartana, o que permitiu criar condições para a emergência dos ideais democráticos na Grécia Antiga.
(2) Os gregos antigos, ao servirem-se  do trabalho escravo, contrariavam a lógica dos seus conceitos democráticos, uma vez que atribuíram  à capacidade do fazer manual a condição maior para se bem governar os homens.
(3) O modelo da democracia burguesia liberal ocidental, que nasceu das revoluções atlânticas e do Iluminismo, ao se implantar em países com fortes valores capitalistas e industriais, acabou com todas as manifestações políticas que defendiam o nacionalismo e o socialismo.
(4) A experiência democrática nos países do Cone Sul da América Latina no século XX é de pequena relevância, pois essa foi uma região que pouco vivenciou restrições às liberdades políticas e civis.

07) - Leia o texto a seguir.
            Quem poderia servir de testemunha, melhor do que ninguém, perante o tribunal do tempo, senão a grande Mãe dos Olímpicos, a Terra negra, da qual tirei, um dia, as cercas, em milhares de lugares, essa Terra, outrora escrava e agora livre. Repartriei a Atenas, sua pátria fundada pelos deuses, muitos homens que haviam sido vendidos, ilegalmente ou  não; outros, ainda, que foram levados ao exílio e que nem mais falavam a língua ática, como acontece quando vagamos por meio mundo. Outros enfim, que, aqui mesmo, viviam na escravidão infame, sofrendo os caprichos dos seus senhores, alforriei. (...) Além disso, proclamei leis, tanto para os maus como para os bons, aplicando para cada qual a reta justiça.

Com o auxílio das informações contidas no texto, julgue os itens que se seguem.
(0) No processo de afirmação do regime democrático ateniense, a obra legislativa de Sólon caminhou passo a passo com as reformas sociais.
(1) A invocação da "Mãe dos Olímpicos" confirma que a esfera religiosa esteve próxima do mundo público ateniense.
(2) Atribui-se a Sólon a criação de um tribunal popular aberto a todos os cidadãos, a Helieia, que, no mínimo, servia de instância de apelação.
(3) Se comparada às épocas homérica e arcaica, a escravidão diminuiu consideravelmente em toda a Grécia, durante o período Clássico.

08) - A sociedade grega era constituída de cidades-estados que possuíam formações sociais, políticas e econômicas diferenciadas. A respeito dessa sociedade, julgue os itens seguintes.

(1) Apesar das distintas composições políticas, Atenas e Esparta aboliram o trabalho escravo e mantiveram uma ordenação social segundo os estatutos militares.
(2) A colonização empreendida no mar Mediterrâneo garantiu o equilíbrio socioeconômico e desenvolveu a prática mercantil.
(3) Atenas, ao estender a igualdade sociopolítica a toda a população, favoreceu o crescimento econômico, bem como vulgarizou o estudo da filosofia.

(4) Os gregos, em virtude do desenvolvimento político e dos estudos filosóficos, racionalizaram as crenças religiosas e ignoraram os deuses e heróis.

CURIOSOS ESCRITOS DE ANTIGAS CIVILIZAÇÕES


Os primeiros escritores eram guarda-livros

JÁ vos divertistes com o jogo chamado carta enigmática? Nesse jogo as sílabas são representadas por figuras e deveis combinar as sílabas-figuras para formai palavras. Por exemplo, as figuras de uma onda e de um fogo aceso representam a palavra vagalume; as figuras de um sol e de um dado representam a palavra soldado; as figuras de uma rã e de um martelo ou malho representam o nome Ramalho. Gostaríeis se a vossa linguagem fosse formada dessas sílabas-desenhos? Não seria bem difícil dominar tal sistema? Pois bem, os antigos sumerianos possuíam precisamente uma linguagem semelhante. Representavam suas sílabas por meio de figuras cuneiformes. A palavra cuneiforme significa em forma de cunha, porque os sumerianos escreviam com um instrumento em forma de cunha. Não era nem papel, nem pergaminho, o material que usavam na escrita, mas argila mole. Nessa argila faziam a impressão de seus toscos desenhos em forma de cunha, e depois colocavam a argila ao sol para secar. Era assim que eles "publicavam" seus livros.
É interessante notar que todos os escritos primitivos eram na realidade esboços, ou desenhos. Cada letra era um desenho. A literatura, portanto, pode ser chamada filha da arte.
A invenção da escrita foi um dos primeiros marcos da história. Assinalou o começo da verdadeira civilização. E no entanto, é bem curioso, os reis primitivos opuseram-se severamente à escrita. "É uma grande inimiga da educação", dizia o imperador Tamoz. "As crianças se fiarão demasiado nas recordações escritas e não mais se darão ao trabalho de guardar de memória aquilo que lhes for ensinado".
Que diria o bom imperador se estivesse vivo agora?, A certo respeito, porém, a critica do rei Tamoz era certa. Antes da invenção da escrita, tinham os homens prodigiosas memórias. Era muito comum para um rapaz dos antigos tempos recitar de cor um poema épico inteiro, coisa de unias 500 ou 600 páginas. Quantos jovens estudantes, ou gente adulta, podem fazer, neste particular, o mesmo, em nossos dias?
Seja como for, os antigos inventores da escrita foram os pioneiros da educação moderna. Contudo, não tinham idéia da parte proeminente que haveriam de desempenhar na história da cultura humana. Porque os antigos escritores sumerianos não mostravam interesse pela literatura, mas pelos negócios. Inventaram a escrita afim de consignar os extratos de conta e as faturas de venda. Os primeiros escritores do mundo eram guarda-livros.

O alfabeto pictórico dos egípcios

FAÇAMOS uma pequena excursão retrospectiva, de 5.000 anos, a uma escola egípcia. Os antigos egípcios chamavam suas escolas de estribarias de ensino; e seus professores, instrutores nas estribarias educacionais. AH se sentavam, ensinando pacientemente a seus rebeldes cavalinhos, isto é, seus alunos, a maneira de se conduzirem através do campo difícil e pouco comum dos hieróglifos egípcios. A palavra hieróglifo tem o significado de gravura sagrada. A escrita dos antigos egípcios era a gravação de desenhos em pedra, para exprimir pensamentos e imagens sagradas.

Lede todas essas figuras juntas e tereis o nome Cleópatra.
Deve ter sido uma fatigante tarefa para os rapazolas egípcios pôr por escrito as sábias sentenças de seus sacerdotes, em seus livros de cópia. Essas sentenças não eram diferentes dos provérbios da Bíblia ou das máximas do Almanaque do Pobre Ricardo. "Dá teu coração ao estudo, dizia uma delas, e ama-o como a uma mãe. Porque nada é mais precioso que o saber." Noutro desses provérbios egípcios lemos: "Os ouvidos do estudante estão colocados em suas costas. Se quiserdes que o vosso ensino lhes entre pelos ouvidos, batei-lhes nas costas."
Cada sinal alfabético era representado por um desenho, de animal, de planta, de uma casa, de um bote, ou de algum outro objeto familiar.
Era uma maneira de escrever bastante complicada, que consumia grande quantidade de tempo e de espaço. Precisava-se de muitos desenhos para’expressar um simples nome, e os nomes egípcios, em geral, eram compridos encadeamentos de várias sílabas. Por exemplo, Nefretiti, Tutankhamen, Amenhoteft, Cleópatra, Este último nome era expresso, em hieróglifos, da maneira seguinte:
Um joelho, para representar a letra egípcia k ou e
Imaginai-vos ‘escrevendo tudo isso, dia após dia, na interminável escrituração dos hieróglifos egípcios! Não é de espantar que encontremos, em um dos livros de cópia do mestre, o seguinte lamento: "Meus alunos são muito menos amantes dos livros que da cerveja."

Um livro Que pesava várias toneladas

OS antigos gostavam de agir e de pensar em grande escala. As estátuas egípcias tinham mais de vinte e sete metros, Dizia-se que os antigos reis babilônios haviam vivido 36.000 anos; e os primeiros livros do mundo foram gravados em colossais monumentos de pedra. Alguns desses "livros", como a sumeriana Epopéia de Gilgamesh e a história egípcia dos Faraós, pesavam muitas toneladas cada um.
Não somente os livros dos antigos, mas as letras também, eram escritas em tijolos de argila ou de pedra. Imaginai-vos escrevendo uma delicada carta de amor à querida Ishtarzinha ou Aruru, numa laje de rochedo! E gostaríeis de ser carteiro naqueles dias?

Uma carta escrita no couro cabeludo

UM antigo rei teve certa vez brilhante idéia. Achou que era necessário enviar importante mensagem a um aliado estrangeiro, mas não tinha soldado ou escravo a quem considerasse bastante honesto para confiar essa carta. Consequentemente, mandou chamar um de seus escravos, ordenou que lhe raspassem a cabeça, e tatuou a mensagem no couro cabeludo do escravo. Depois esperou que o cabelo crescesse no couro cabeludo para então enviar o escravo à sua missão.
O escravo chegou a salvo ao palácio do aliado de seu senhor e disse: "O Rei Cianaxes me ordenou que vos pedisse para me raspar a cabeça".
O aliado do rei Cianaxes fez como ele havia pedido; e, logo que ele leu a mensagem no couro cabeludo, sentiu-se o escravo, orgulhoso e feliz, ao pensar no papel vital que estava desempenhando, nas relações daqueles dois poderosos monarcas. Seu orgulho e sua felicidade foram, porém, de curta duração. Porque a carta continha um post-escrito que o escravo ditosamente ignorava. Era este o post-escrito:
"Logo que acabardes de ler essa carta, cortai fora a cabeça sobre a qual está escrita".

A Gata Borralheira egípcia

A PAIXÃO pelos romances parece ser tão velha como o coração humano. Muitos dos modernos contos de fadas são encontrados nos velhos hieróglifos egípcios. Os egípcios tinham a sua história da Gata Borralheira .— pé mimoso, chapim de vidro, Príncipe Encantador, casamento real e tudo mais. Essa velha história da Gata Borralheira tem cerca de 6.000 anos de idade.
Entre outras antigas histórias egípcias de sabor moderno contam-se O marinheiro naufragado (O Robinson Crusoé egípcio), Sinuhe, o Marinheiro, O fantasma maravilhoso, O homem sem pátria e A história de Bitiu e Anupu, OU O eterno triângulo.
O homem sem pátria e O eterno triângulo podiam ter sido escritos no século XX, depois de Cristo, em vez do 40.° século antes de Cristo. As emoções humanas mu daram muito pouco nesses seis mil anos intermédios. Em O homem sem pátria temos a história de Sinuhe, que se exilou voluntariamente, desgostoso com sua terra e deixou-a, com o desejo de jamais ouvir falar dela. Mas no antigo Egito, como na moderna América, "a maior feli cidade do mundo é morrer na terra que nos foi berço". Depois de longa c poeirenta jornada através do deserto, Sinuhe mais uma vez contempla as águas de seu amado Nilo; e caindo prostrado cm terra, exclama com lágrimas de alegria nos olhos: "Esta é a minha terra, a minha terra natal!" Completamente moderno, como vedes, tanto em estilo como em espírito.
Igualmente moderno é O eterno triângulo, história de dois irmãos, Bitiu e Anupu, c da bela e namoradeira mulher de Anupu.
Os dois irmãos vivem felizes na sua herdade, até que a mulher de Anupu começa a lançar olhares amorosos para Bitiu. Êste rejeita seu amor, e, cm consequência, ela acusa-o falsamente de lhe haver feito propostas ilícitas.
Há uma discussão c Bitiu, desgostoso, deixa sua casa. Perde a fé na humanidade. Daí por diante viverá sozinho nas florestas. E mais ainda, arrancará seu coração e o colocará bem longe do alcance de qualquer mortal. Com o auxílio dos deuses arranca o coração e o esconde no cálice duma flor, no topo da mais alta árvore.
Está decidido a viver sozinho. Mas os deuses não consentirão. Admirando a sua piedade e condoídos de sua solidão, decidem criar para êle uma bela mulher.
Em consequência, novos dissabores lhe acontecem. A mulher possui tão extraordinário encanto que o Nilo se apaixona por ela c rouba-lhe um cacho de cabelo.
Derivando rio abaixo, a madeixa é descoberta pelo jovem Faraó. Fascinado pelo seu perfume, põe-se à procura da dona de tal cabelo.
Vem a saber que a dona da flagrante madeixa é a mulher de Bitiu, cujo coração está oculto lá no alto duma árvore.
Ordena que se corte a árvore. Quando esta vem abaixo, o coração de Bitiu parte-se em pedaços e Bitiu cai morto aos pés do Faraó.
Omiti os enfeites sobrenaturais e tereis uma moderna história de um belo e trágico duplo triângulo. Podemos compreender e lastimar os caracteres principais hoje, precisamente como o fizeram os egípcios de há seis mil anos. Um universal fio de ouro de simpatia comum liga todos os corações humanos através das idades.

O estranho Livro dos Mortos

SÃO diversas as concepções do paraíso de diversos passes. Para os maometanos, o paraíso era um eterno festim de bebedeira, com belas mulheres, chamadas hurís, companheiras constantes dos homens piedosos. Para os índios, o céu era um feliz campo de caça. Para os antigos gregos, um delicioso jardim de flores imortais e imortais prazeres. Para os egípcios, era simplesmente um Campo de Farta Alimentação. Aqueles que merecessem ir para o céu teriam sempre alguma coisa que comer. (Os egípcios haviam sofrido já grande pobreza e fome. Já haviam tido, para usar a expressão de. Porgy, "abundância de nada".)
Era desejo de todo egípcio ir para o céu e nunca sentir fome depois de morto. Mas, afim de alcançar o céu, deviam ser capazes de responder às perguntas, que Osíris lhes faria à entrada. Essas perguntas e respostas encontravam-se no Livro dos Mortos. Os egípcios precisavam saber de cor esse livro e estar prontos a responder a todas as perguntas, sem hesitação ou evasivas.

Eis aqui algumas das perguntas e respostas, que os egípcios deveriam aprender, em seu Livro dos Mortos.

A questão do poder nas sociedades primitivas



Pierre Clastres 

Durante as duas últimas décadas, a etnologia conheceu um desenvolvimento brilhante, graças ao qual as sociedades primitivas escaparam, se não ao seu destino (o desaparecimento), pelo menos ao exílio a que as condenava , no pensamento e na imaginação do Ocidente, uma tradição de exotismo muito antiga. A convicção cândida de que  a civilização européia era absolutamente superior a qualquer outro sistema de sociedade foi aos poucos substituída pelo reconhecimento de um relativismo cultural que, renunciando à afirmação imperialista de uma hierarquia dos valores, admite agora, abstendo-se de julgá-las, a coexistência das diferenças sócio-culturais. Em outras palavras, não se projeta mais sobre as sociedades primitivas o olhar curioso ou divertido do amador mais ou menos esclarecido, mais ou menos humanista; elas são levadas de certo modo a sério. A questão é saber até onde vai essa seriedade.
 
O que se entende exatamente por sociedade primitiva? A resposta nos é fornecida pela mais clássica antropologia quando ela quer determinar o ser especifico dessas sociedades, quando quer indicar o que faz delas formações sociais irredutíveis: as sociedades primitivas são sociedades sem Estado, são sociedades cujo corpo não possui órgão separado do poder político. É conforme a presença ou ausência do Estado que se opera uma primeira classificação das sociedades, pela qual elas se distribuem em dois grupos: as sociedades sem Estado e as sociedades com Estado, as sociedades primitivas e as outras. O que não significa, evidentemente, que todas as sociedades com Estado sejam idênticas entre si: não se poderia reduzir a um único tipo as diversas figuras históricas do Estado despótico arcaico, o Estado liberal burguês, ou o Estado totalitário fascista ou comunista. Cuidando de evitar, portanto, essa confusão que impediria, em particular, compreender a novidade e a especificidade radicais do Estado totalitário, assinalaremos que uma propriedade comum faz com que se oponham em bloco as sociedades com Estado às sociedades primitivas. As primeiras apresentam, todas, aquelas dimensão  de divisão desconhecida entre as outras, todas as sociedades com Estado são divididas, em seu ser, em dominantes e dominados, enquanto as sociedades sem Estado ignoram essa divisão: determinar as sociedades primitivas como sociedades sem Estado é enunciar que elas são, em seu ser, homogêneas porque indivisas. E reconhecemos aqui a definição etnológica dessas sociedades: elas não têm órgão separado do poder, o poder não esta separado da sociedade. 
Levar a sério as sociedades primitivas significa assim refletir sobre esta proposição que, de fato, define-as  perfeitamente: nelas não se pode isolar uma esfera política distinta da esfera do social. 

Sabe-se que, desde sua aurora grega, o pensamento político do Ocidente soube ver no político a essência do social humano (o homem é um animal político), ao mesmo tempo que apreendia a essência do político na divisão social entre dominantes e dominados, entre os que sabem, e portanto mandam, e os que não sabem, e portanto obedecem. O social é o político, o político é o exercício do poder (legítimo ou não, pouco importa aqui) por um ou alguns sobre o resto da sociedade (para seu bem ou seu mal, pouco importa também): tanto para Heráclito como para Platão e Aristóteles, não há sociedade senão sob a égide dos reis, a sociedade não é pensável sem a divisão entre os que mandam e os que obedecem, e lá onde não existe o exercício do poder cai-se no infra-social, na não-sociedade.
 
 É mais ou menos nesses termos que os primeiros europeus julgaram os índios da América do Sul, na aurora do século XVI. Constatando que os "chefes" não possuíam nenhum poder sobre as tribos, que ninguém mandava e ninguém obedecia, eles disseram que esses povos não eram policiados, que não eram verdadeiras sociedades; selvagens "sem fé, sem lei, sem rei". 

É verdade que, mais de uma vez, os próprios etnólogos sentiram um embaraço quando se tratava, não tanto de compreender, mas simplesmente de descrever essa particularidade muito exótica das sociedades primitivas; os que são chamados lideres são desprovidos de todo poder, a chefia institui-se no exterior do exercício do poder político. Funcionalmente, isso parece absurdo: como pensar na disjunção entre chefia e poder? De que servem os chefes, se lhes falta o atributo essencial que faria deles justamente chefes, a saber, a possibilidade de exercer o poder sobre a comunidade? Na realidade, que o chefe selvagem não detenha o poder de mandar não significa que ele não sirva para nada: ao contrário, ele é investido pela sociedade de m certo número de tarefas e, sob esse aspecto, poder-se-ia ver nele uma espécie de funcionário (não remunerado) da sociedade. Que faz um chefe sem poder? Essencialmente, compete-lhe assumir a vontade da sociedade de mostra-se como uma totalidade una, isto é, assumir o esforço concertado, deliberado, da comunidade, com vistas em afirmar sua especificidade, sua autonomia, sua independência em relação às outras comunidades. Em outras palavras, o líder primitivo é principalmente o homem que fala em nome da sociedade quando circunstancias e acontecimentos a colocam em relação com os outros. Ora, estes se repartem sempre, para toda comunidade primitiva, em duas classes: os amigos e os inimigos. Com os primeiros trata-se de estabelecer ou de reforçar relações de aliança; com os segundos, de levar a cabo, quando for o caso, operações guerreiras. Segue-se que as funções concretas, empíricas do líder desdobram-se no campo, poderíamos dizer, das relações internacionais, exigindo portanto as qualidades relativas a esse tipo de atividade: habilidade, talento diplomático para consolidar as redes de aliança que garantirão a segurança  da comunidade; coragem, disposição guerreira capaz de assegurar uma defesa eficaz  contra os ataques dos inimigos ou, se possível, a vitória em caso de expedição contra eles.
 
  Mas não são exatamente essas, objetarão, as tarefas de um ministro de Assuntos Estrangeiros ou de um ministro da Defesa? Seguramente. Com esta única diferença, porém fundamental: é que o líder primitivo nunca toma decisões em seu nome, para depois impô-las  à comunidade. A estratégia de aliança ou a tática militar que ele desenvolve nunca são as suas próprias, mas as que respondem exatamente ao desejo ou à vontade explicita da tribo. Todos os eventuais expedientes ou negociações são públicos, a intenção de fazer a guerra só é proclamada quando a sociedade quer que seja assim. E, naturalmente, não pode ser de outro modo: com efeito, se um líder tivesse a idéias de conduzir, por conta própria, uma política de aliança ou de hostilidade com os vizinhos, não teria de maneira alguma meios de impor seus objetivos à sociedade, pois sabemos que é desprovido de qualquer poder. Na verdade, ele dispõe apenas de um direito ou, melhor, de um dever de porta-voz: dizer aos outros o desejo e a vontade da sociedade. 

  Por outro lado, quais são as funções do chefe, não mais como representante de seu grupo nas relações exteriores com os estrangeiros, mas em suas relações internas com o próprio grupo? É evidente que, se a comunidade o reconhecer como líder (como porta-voz) quando afirma sua unidade em relação às outras unidades, é que ele possui um mínimo de confiança garantida pelas qualidades que manifesta precisamente a serviço de sua sociedade. É o que chamam de prestígio, muito comumente confundido, e sem razão, com poder. Compreende-se assim muito bem que, no seio de sua própria sociedade, a opinião do líder, escorada no prestígio que ele desfruta, seja, eventualmente, ouvida com mais consideração que a dos outros indivíduos. Mas a atenção particular que é dada (aliás, nem sempre) à palavra do chefe nunca chega ao ponto de deixá-la transformar em voz de comando, em discurso de poder: o ponto de vista do líder só será escutado enquanto exprimir  o ponto de vista da sociedade como totalidade una.  Disso resulta não apenas que o chefe não formula ordens, às quais sabe de antemão que ninguém obedeceria, mas também que é incapaz (isto é, não detém tal poder) de arbitrar quando se apresenta, por exemplo, um conflito entre dois indivíduos ou duas famílias. Ele tentará, não resolver o litígio em nome de uma lei ausente da qual seria o órgão, mas apaziguá-lo apelando ao bom senso, aos nos sentimentos das partes opostas, referindo-se a todo instante à tradição de bom  entendimento legada, desde sempre, pelos antepassados. Da boca do chefe saem, não as palavras que sancionariam a relação de comando-obediência, mas o discurso por meio do qual ela se autoproclama comunidade indivisa e vontade de perseverar nesse ser indiviso.
 
As sociedades primitivas são portanto sociedades indivisas (e por isso cada uma se quer totalidade una): sociedades em classes - não há ricos exploradores do pobres -, sociedades sem divisão em dominantes e dominados - não há órgão separado do poder. É o momento agora de tomar totalmente a sério essa última propriedade sociológica das sociedades primitivas. A separação entre chefia e poder significa que nelas a questão do poder não se coloca, que essas sociedades são apolíticas? A essa questão, o "pensamento" evolucionista - e sua variante aparentemente menos sumária, o marxismo (engelsiano, sobretudo) - responde que é realmente assim e que isso se deve ao caráter primitivo, isto é, primário dessas sociedades: elas são a infância da humanidade, a primeira idade de sua evolução, e, como tais, incompletas, inacabadas, destinadas portanto, a crescer, a tornar-se adultas, a passar do apolítico ao político. O destino de toda sociedade é sua divisão, é o poder separado da sociedade, é o Estado como órgão que sabe e diz o bem comum a todos, que ele se encarrega de impor. 

Tal é a concepção tradicional, quase geral, das sociedades primitivas como sociedades sem Estado. A ausência do Estado marca sua incompletude, o estágio embrionário de sua existência, sua a-historicidade. Mas será de fato assim? Percebe-se bem que tal julgamento não é, na verdade, senão um preconceito ideológico, implicando uma concepção da história como movimento necessário da humanidade ao longo das figuras do social que se engendram e se encadeiam mecanicamente. Mas digamos que se recuse essa neoteologia da historia  e seu continuismo fanático: com isso as sociedades primitivas deixam de ocupar o grau zero da história, grávidas que estariam ao mesmo tempo de toda a história por vir, inscrita antecipadamente em seu ser. Liberada desse exotismo pouco inocente, a antropologia pode então tomar a sério a verdadeira questão do político: por que as sociedades primitivas são sociedades sem Estado? Como sociedades completas, acabadas, adultas e não mais como embriões infra-políticos, as sociedades primitivas não têm o Estado porque o recusam, porque recusam a divisão do corpo social em dominantes e dominados. Com efeito, a política dos selvagens é exatamente opor-se o tempo todo ao aparecimento de um órgão separado do poder,  impedir o encontro de antemão fatal entre instituição da chefia e exercício do poder. Na sociedade primitiva, não há órgão separado do poder porque não o poder não esta separado da sociedade, porque é ela que o detém, como totalidade una, a fim de manter seu ser indiviso, a fim de afastar, de conjurar o aparecimento em seu seio da desigualdade entre senhores e súditos, entre o chefe e a tribo. Deter o poder é exercê-lo; exercê-lo é dominar aqueles sobre os quais ele se exerce: eis aí, muito precisamente, o que as sociedades primitivas não querem (não quiseram), eis aí por que os chefes não têm poder, por que o poder não se separa do corpo uno da sociedade. Recusa da desigualdade, recusa do poder separado: mesma e constante preocupação das sociedades primitivas. Elas sabiam perfeitamente que, renunciando a essa luta, deixando de se opor às forças subterrâneas que se chamam desejo de poder e desejo de submissão, sem a liberação das quais não se poderia compreender a irrupção da dominação e da servidão, elas sabiam que perderiam sua liberdade. 

A chefia, na sociedade primitiva , é apenas o lugar suposto, aparente do poder. Qual é seu lugar real? É o corpo social ele próprio, que o detém e o exerce num único sentido, ele anima um único projeto: manter na indivisão o ser da sociedade, impedir que a desigualdade entre os homens instale a divisão na sociedade. Segue-se que tal poder se exerce sobre tudo o que é suscetível de alienar a sociedade, de nela introduzir a desigualdade: ele se exerce, entre outras coisas, sobre a instituição de onde poderia surgir a captação do poder, a chefia. O chefe está sob vigilância na tribo: a sociedade cuida para não deixar o gosto do prestígio transformar-se em desejo de poder. Se o desejo de poder do chefe torna-se muito evidente, o procedimento empregado é simples: ele é abandonado ou mesmo morto. O espectro da divisão talvez assombre a sociedade primitiva, mas ela possui os meios de exorcizá-lo. 

O exemplo das sociedades primitivas nos ensina que a divisão não é inerente ao ser do social, que, noutras palavras, o Estado não é eterno, que ele tem, aqui e ali, uma data de nascimento. Por que emergiu o Estado? A questão de sua origem deve ser assim precisada: em que condições uma sociedade deixa de ser primitiva? Por que as codificações que rechaçam o Estado falham, nesse ou naquele momento da história? Não resta duvida que somente a interrogação atenta do funcionamento das sociedades primitivas permitirá esclarecer o problema das origens. E talvez a luz assim lançada sobre o momento do nascimento do Estado esclarecerá igualmente as condições de possibilidade (realizáveis ou não) de sua morte. 




*Publicado na revista Interrogations, n.7, jun. 1976

Educação, Filósofos, Métodos de Ensino e Cultura Nordestina


                                         
Immanuel Kant, John Locke, Friedrich Froebel, Antonio Gramsci
Immanuel Kant
 Nasceu, estudou, lecionou e morreu em Koenigsberg. Jamais deixou essa grande cidade da Prússia Oriental, cidade universitária e também centro comercial muito ativo para onde afluíam homens de nacionalidade diversa: poloneses, ingleses, holandeses. A vida de Kant foi austera (e regular como um relógio). Levantava-se às 5 horas da manhã, fosse inverno ou verão, deitava-se todas as noites às dez horas e seguia o mesmo itinerário para ir de sua casa à Universidade. Duas circunstâncias fizeram-no perder a hora: a publicação do Contrato Social de Rosseau, em 1762, e a notícia da vitória francesa em Valmy, em 1792. Segundo Fichte, Kant foi "a razão pura encarnada".
Kant sofreu duas influências contraditórias: a influência do pietismo, protestantismo luterano de tendência mística e pessimista (que põe em relevo o poder do pecado e a necessidade de regeneração), que foi a religião da mãe de Kant e de vários de seus mestres, e a influência do racionalismo: o de Leibnitz, que Wolf ensinara brilhantemente, e o da Aufklärung (a Universidade de Koenigsberg mantinha relações com a Academia Real de Berlim, tomada pelas novas idéias). Acrescentemos a literatura de Hume que "despertou Kant de seu sono dogmático" e a literatura de Russeau, que o sensibilizou em relação do poder interior da consciência moral.
A primeira obra importante de Immanuel Kant - assim como uma das últimas, o Ensaio sobre o mal radical - consagra-o ao problema do mal: o Ensaio para introduzir em filosofia a noção de grandeza negativa (1763) opõe-se ao otimismo de Leibnitz, herdeiro do otimismo dos escoláticos, assim como do da Aufklärung. O mal não é a simples "privatio bone", mas o objeto muito positivo de uma liberdade malfazeja. Após uma obra em que Kant critica as ilusões de "visionário" de Swedenborg (que pretende tudo saber sobre o além), segue-se a Dissertação de 1770, que vale a seu autor a nomeação para o cargo de professor titular (professor "ordinário", como se diz nas universidades alemãs).
Nela, Kant distingue o conhecimento sensível (que abrange as instituições sensíveis) e o conhecimento inteligível (que trata das idéias metafísicas). Em seguida, surgem as grandes obras da maturidade, onde o criticismo kantiano é exposto. Em 1781, temos a Crítica da Razão Pura, cuja segunda edição, em 1787, explicará suas intenções "críticas" (um estudo sobre os limites do conhecimento). Os prolegômenos a toda metafísica futura (1783) estão para a Crítica da Razão Pura assim como a Investigação sobre o entendimento de Hume está para o Tratado da Natureza Humana: uma simplificação brilhante para o uso de um público mais amplo. A Crítica da Razão Pura explica essencialmente porque as metafísicas são voltadas ao fracasso e porque a razão humana é impotente para conhecer o fundo das coisas. A moral de Kant é exposta nas obras que se seguem: o Fundamento da Metafísica dos Costumes (1785) e a Crítica da Razão Prática (1788). Finalmente, a Crítica do Juízo (1790) trata das noções de beleza (e da arte) e de finalidade, buscando, desse modo, uma passagem que una o mundo da natureza, submetido à necessidade, ao mundo moral onde reina a liberdade.
Kant encontrara proteção e admiração em Frederico II. Seu sucessor, Frederico-Guilherme II, menos independente dos meios devotos, inquietou-se com a obra publicada por Kant em 1793 e que, apesar do título, era profundamente espiritualista e anti-Aufklärung: A religião nos limites da simples razão. Ele fez com que Kant se obrigasse a nunca mais escrever sobre religião, "como súdito fiel de Sua Majestade". Kant, por mais inimigo que fosse da restrição mental, achou que essa promessa só o obrigaria durante o reinado desse príncipe! E, após o advento de Frederico-Guilherme III, não hesitou em tratar, no Conflito das Faculdades (1798), do problema das relações entre a religião natural e a religião revelada! Dentre suas últimas obras citamos A doutrina do direitoA doutrina da virtude e seu Ensaio filosófico sobre a paz perpétua (1795).
                                           Ciência e a Metafísica
O método de Immanuel Kant é a "crítica", isto é, a análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em nenhum momento Kant duvida da verdade da física de Newton, assim como do valor das regras morais que sua mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso ser justo, que a coragem vale mais do que do que a covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são necessárias (não podem não ser) e universais (valem para todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se fundam tais verdades? Em que condições são elas racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os maiores pensadores estão em desacordo quanto às proposições da metafísica. Por que esse fracasso?
Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários e universais, são a priori, isto é independentes dos azares da experiência, sempre particular e contigente. À primeira vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos, aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois todas as réguas não são verdes).
Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, sintéticos e a priori! Por exemplo:a soma dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético (o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho necessidade de uma constatação experimental para conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a priori sejam possíveis?
Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço. Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da Crítica da Razão Pura, denominada Estética transcendental. Estética significa teoria da percepção, enquanto transcendental significa a priori, isto é, simultaneamente anterior à experiência e condição da experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por que as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priorinecessárias e universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a priorinecessários e universais?
É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos, eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias são necessárias e universais. O próprio Hume, ao pretender que o hábito é a causa de nossa crença na causalidade, não emprega necessariamente a categoria a priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às únicas condições sob as quais a diversidade da intuição pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant mostrará na Estética transcendental) e, por outro, imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas categorias (o que Kant mostra na Analítica transcendental). Aquilo a que denominamos experiência não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o que nos aparece bem relacionado na natureza, foi relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o objeto do seu saber.
                            John Locke

        Filósofo, acadêmico e pesquisador médico inglês
Artesão do pensamento político liberal, Locke nasceu numa aldeia inglesa, filho de um pequeno proprietário de terras. Estudou na escola de Westminster e em Oxford, que seria seu lar por mais de 30 anos. Os estudos tradicionais da universidade não o satisfaziam, mas aplicou-se. Foi admitido na Sociedade Real de Londres, a academia científica, em 1668, para estudar medicina: graduou-se seis anos depois, mas sem o título de doutor.

A maior parte de sua obra se caracteriza pela oposição ao autoritarismo, em todos os níveis: individual, político e religioso. Acreditava em usar a razão para obter a verdade e determinar a legitimidade das instituições sociais.

Quando Locke escreveu os "Dois Tratados sobre o Governo", a sua principal obra de filosofia política, tinha como objetivo contestar a doutrina do direito divino dos reis e do absolutismo real.

Também pretendia criar uma teoria que conciliasse a liberdade dos cidadãos com a manutenção da ordem política. Para o pensador inglês, o que dá direito à propriedade é o trabalho que se dedica a ela. E desde que isso não prejudique alguém, fica assegurado o direito ao fruto do trabalho. Foram essas as bases da idéia de uma sociedade sem a interferência governamental, um dos princípios básicos do capitalismo liberal.

Para o filósofo, todo conhecimento humano pode ser obtido por meio da percepção sensorial ao longo da vida. A mente do ser humano ao nascer seria como uma folha em branco, e tudo que se sabe é aprendido depois. Baseava sua crença no poder da educação como transformadora do mundo. Afirmava que o mal não era parte de um plano de Deus, e sim produzido por um sistema social criado pelos indivíduos. Por isso, poderia ser modificado também por eles.

Sua obra, "Ensaios", escrita ao longo de 20 anos, é sua grande contribuição à filosofia. Seu interesse se centrava nos tópicos tradicionais da filosofia: a natureza do ser, o mundo, Deus e os níveis de conhecimento. Locke foi também o precursor do pensamento iluminista nas questões políticas.

De pesquisador a secretário de um nobre no governo inglês, tornou-se um escritor de economia, ativista político e um revolucionário cujas idéias ocasionaram a vitória da Revolução Gloriosa, em 1688, contra o absolutismo. Foi também deputado no Parlamento e defendeu que somente quem dispusesse de apoio da maioria dos parlamentares deveria ter o direito de ser ministro (como até hoje funciona o sistema britânico).

Em sua obra, afirmou que a organização das leis e do Estado deve ser feita com o objetivo de garantir o respeito aos direitos naturais. A garantia dos direitos naturais do povo - a proteção da vida, da liberdade e da propriedade de todos - é definida por ele como a única razão de ser de um governo. Se o governante não respeita esses direitos, os governados podem derrubá-lo e substituí-lo por outro mais competente.

Locke exerceu enorme influência sobre todos os pensadores de seu tempo e foi uma das principais referências teóricas para os líderes das revoluções que, a partir do final do século 18, transformaram a sociedade ocidental.

                        Friedrich Froebel

O criador dos jardins-de-infância defendia um ensino sem obrigações porque o aprendizado depende dos interesses de cada um e se faz por meio da prática

As técnicas utilizadas até hoje na Educação Infantil devem muito a Froebel
“Por meio da educação, a criança vai se reconhecer como membro vivo do todo” 
Filho de um pastor protestante, Friedrich Froebel nasceu em Oberweissbach, no sudeste da Alemanha, em 1782. Nove meses depois de seu nascimento, sua mãe morreu. Adotado por um tio, viveu uma infância solitária, em que se empenhou em aprender matemática e linguagem e a explorar as florestas perto de onde morava. Após cursar informalmente algumas matérias na Universidade de Jena, tornou-se professor e ainda jovem fez uma visita à escola do pedagogo Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), em Yverdon, na Suíça. Em 1811, foi convocado a lutar nas guerras napoleônicas. Fundou sua primeira escola em 1816, na cidade alemã de Griesheim. Dois anos depois, a escola foi transferida para Keilhau, onde Froebel pôs em prática suas teorias pedagógicas. Em 1826, publicou seu livro mais importante, A Educação do Homem. Em seguida, foi morar na
 
Suíça, onde treinou professores e dirigiu um orfanato. Todas essas experiências serviram de inspiração para que ele fundasse o primeiro jardim-de-infância, na cidade alemã de Blankenburg. Paralelamente, administrou uma gráfica que imprimiu instruções de brincadeiras e canções para serem aplicadas em escolas e em casa. Em 1851, confundindo Froebel com um sobrinho esquerdista, o governo da Prússia proibiu as atividades dos jardins-de-infância. O educador morreu no ano seguinte, mas o banimento só foi suspenso em 1860, oito anos mais tarde. Os jardins-de-infância rapidamente se espalharam pela Europa e nos Estados Unidos, onde foram incorporados aos preceitos educacionais do filósofo
 John Dewey (1859-1952). 

O alemão Friedrich Froebel foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas – idéia hoje consagrada pela psicologia, ciência da qual foi precursor. Froebel viveu em uma época de mudança de concepções sobre as crianças e esteve à frente desse processo na área pedagógica, como fundador dos jardins-de-infância, destinado aos menores de 8 anos. O nome reflete um princípio que Froebel compartilhava com outros pensadores de seu tempo: o de que a criança é como uma planta em sua fase de formação, exigindo cuidados periódicos para que cresça de maneira saudável. “Ele procurava na infância o elo que igualaria todos os homens, sua essência boa e divina ainda não corrompida pelo convívio social”, diz Alessandra Arce, professora da Universidade Federal de São Carlos.
 

As técnicas utilizadas até hoje em Educação Infantil devem muito a Froebel. Para ele, as brincadeiras são o primeiro recurso no caminho da aprendizagem. Não são apenas diversão, mas um modo de criar representações do mundo concreto com a finalidade de entendê-lo. Com base na observação das atividades dos pequenos com jogos e brinquedos, Froebel foi um dos primeiros pedagogos a falar em auto-educação, um conceito que só se difundiria no início do século 20, graças ao movimento da Escola Nova, de
 Maria Montessori (1870-1952) e Célestin Freinet (1896-1966), entre outros.

                                Treino de habilidades
Por meio de brinquedos que desenvolveu depois de analisar crianças de diferentes idades, Froebel previu uma educação que ao mesmo tempo permite o treino de habilidades que elas já possuem e o surgimento de novas. Dessa forma seria possível aos alunos exteriorizar seu mundo interno e interiorizar as novidades vindas de fora – um dos fundamentos do aprendizado, segundo o pensador. 

Ao mesmo tempo que pensou sobre a prática escolar, ele se dedicou a criar um sistema filosófico que lhe desse sustentação. Para Froebel, a natureza era a manifestação de Deus no mundo terreno e expressava a unidade de todas as coisas. Da totalidade em Deus decorria uma lei da convivência dos contrários. Isso tudo levava ao princípio de que a educação deveria trabalhar os conceitos de unidade e harmonia, pelos quais as crianças alcançariam a própria identidade e sua ligação com o eterno. A importância do autoconhecimento não se limitava à esfera individual, mas seria ainda um meio de tornar melhor a vida em sociedade.
 

Além do misticismo e da unidade, a natureza continha, de acordo com Froebel, um sistema de símbolos conferido por Deus. Era necessário desvendar tais símbolos para conhecer o que é o espírito divino e como ele se manifesta no mundo. A criança, segundo o educador, trazia em si a semente divina de tudo o que há de melhor no ser humano. Cabia à educação desenvolver esse germe e não deixar que se perdesse.
                          Educação espontânea
O caminho para isso seria deixar a criança livre para expressar seu interior e perseguir seus interesses. Froebel adotava, assim, a idéia contemporânea do “aprender a aprender”. Para ele, a educação se desenvolve espontaneamente. Quanto mais ativa é a mente da criança, mais ela é receptiva a novos conhecimentos. 

O ponto de partida do ensino seriam os sentidos e o contato que eles criam com o mundo. Portanto, a educação teria como fundamento a percepção, da maneira como ela ocorre naturalmente nos pequenos. Isso não quer dizer que ele descartasse totalmente o ensino diretivo, visto como um recurso legítimo caso o aluno não apresentasse o desenvolvimento esperado. De modo geral, no entanto, a pedagogia de Froebel pode ser considerada como defensora da liberdade.
 

O educador acreditava que as crianças trazem consigo uma metodologia natural que as leva a aprender de acordo com seus interesses e por meio de atividade prática. Ele combatia o excesso de abstração da educação de seu tempo, argumentando que ele afastava os alunos do aprendizado. Na primeira infância, dizia, o importante é trabalhar a percepção e a aquisição da linguagem. No período propriamente escolar, seria a vez de trabalhar religião, ciências naturais, matemática, linguagem e artes.
 

Froebel defendia a educação sem imposições às crianças porque, segundo sua teoria, elas passam por diferentes estágios de capacidade de aprendizado, com características específicas, antecipando as idéias do suíço Jean Piaget (1896-1980). Froebel detectou três estágios: primeira infância, infância e idade escolar. “Em seus escritos, ele demonstra como a brincadeira e a fala, observadas pelo adulto, permitem apreender o nível de desenvolvimento e a forma de relacionamento infantil com o mundo exterior”, diz Alessandra Arce.
 

Froebel não fez a separação entre religião e ensino, consagrada atualmente, mas via a educação como uma atividade em que escola e família caminham juntas, outra característica que o aproxima da prática contemporânea.
                        Brinquedos criados para aprender
Froebel considerava a Educação Infantil indispensável para a formação da criança – e essa idéia foi aceita por grande parte dos teóricos da educação que vieram depois dele. O objetivo das atividades nos jardins-de-infância era possibilitar brincadeiras criativas. As atividades e o material escolar eram determinados de antemão, para oferecer o máximo de oportunidades de tirar proveito educativo da atividade lúdica. Froebel desenhou círculos, esferas, cubos e outros objetos que tinham por objetivo estimular o aprendizado. Eles eram feitos de material macio e manipulável, geralmente com partes desmontáveis. As brincadeiras eram acompanhadas de músicas, versos e dança. Os objetos criados por Froebel eram chamados de “dons” ou “presentes” e havia regras para usá-los, que precisariam ser dominadas para garantir o aproveitamento pedagógico. As brincadeiras previstas por Froebel eram, quase sempre, ao ar livre para que a turma interagisse com o ambiente. “Todos os jogos que envolviam os ‘dons’ começavam com as pessoas formando círculos, movendo-se e cantando, pois assim conseguiam atingir a perfeita unidade”, diz Alessandra Arce. Para Froebel, era importante acostumar as crianças aos trabalhos manuais. A atividade dos sentidos e do corpo despertaria o germe do trabalho, que, segundo o educador alemão, seria uma imitação da criação do universo por Deus.
                                      Para pensar
Froebel chegou a suas conclusões sobre a psicologia infantil observando as brincadeiras e os jogos das crianças. Diante das atividades espontâneas de seus alunos, você já pensou que tem a oportunidade de entender a psicologia de cada um e também de depreender algumas características da faixa etária a que eles pertencem?
                      Antonio Gramsci
O filósofo italiano atribuía à escola a função de dar acesso à cultura das classes dominantes, para que todos pudessem ser cidadãos plenos
Frases de Antonio Gramsci: “A tendência democrática de escola não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante” 

“Todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”
 
          Nascido em Ales, na ilha da Sardenha, em 1891, numa família pobre e numerosa, Antonio Gramsci foi vítima, antes dos 2 anos, de uma doença que o deixou corcunda e prejudicou seu crescimento. Na idade adulta, não media mais do que 1,50 metro e sua saúde sempre foi frágil. Aos 21 anos, foi estudar letras em Turim, onde trabalhou como jornalista de publicações de esquerda. Militou em comissões de fábrica e ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano em 1921. Conheceu a mulher, Julia Schucht, em Moscou, para onde foi enviado como representante da Internacional Comunista. Em 1926, foi preso pelo regime fascista de Benito Mussolini. Ficou célebre a frase dita pelo juiz que o condenou: "Temos que impedir esse cérebro de funcionar durante 20 anos". Gramsci cumpriu dez anos, morrendo numa clínica de Roma em 1937. Na prisão, escreveu os textos reunidos em Cadernos do Cárcere e Cartas do Cárcere. A obra de Gramsci inspirou o eurocomunismo – a linha democrática seguida pelos partidos comunistas europeus na segunda metade do século 20 – e teve grande influência no Brasil nos anos 1970 e 1980. 

       Co-fundador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci foi uma das referências essenciais do pensamento de esquerda no século 20. Embora comprometido com um projeto político que deveria culminar com uma revolução proletária, Gramsci se distinguia de seus pares por desacreditar de uma tomada do poder que não fosse precedida por mudanças de mentalidade. Para ele, os agentes principais dessas mudanças seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, a escola.
 

      Alguns conceitos criados ou valorizados por Gramsci hoje são de uso corrente em várias partes do mundo. Um deles é o de cidadania. Foi ele quem trouxe à discussão pedagógica a conquista da cidadania como um objetivo da escola. Ela deveria ser orientada para o que o pensador chamou de elevação cultural das massas, ou seja, livrá-las de uma visão de mundo que, por se assentar em preconceitos e tabus, predispõe à interiorização acrítica da ideologia das classes dominantes.
 

Ao contrário da maioria dos teóricos que se dedicaram à interpretação e à continuidade do trabalho intelectual do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), que concentraram suas análises nas relações entre política e economia, Gramsci deteve-se particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos de transformação histórica. Suas idéias sobre educação surgem desse contexto.
 

Para entendê-las, é preciso conhecer o conceito de hegemonia, um dos pilares do pensamento gramsciano. Antes, deve-se lembrar que a maior parte da obra de Gramsci foi escrita na prisão e só veio a público depois de sua morte. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma linguagem cifrada, que se desenvolve em torno de conceitos originais (como bloco histórico, intelectual orgânico, sociedade civil e a citada hegemonia, para mencionar os mais célebres) ou de expressões novas em lugar de termos tradicionais (como filosofia da práxis para designar o marxismo). Seus escritos têm forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvolvidas. 
                       A mente antes do poder
Hegemonia significa, para Gramsci, a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. O domínio se caracteriza por dois elementos: força e consenso. A força é exercida pelas instituições políticas e jurídicas e pelo controle do aparato policial-militar. O consenso diz respeito sobretudo à cultura: trata-se de uma liderança ideológica conquistada entre a maioria da sociedade e formada por um conjunto de valores morais e regras de comportamento. Segundo Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”, isto é, de aprendizado.
                       Acesso ao código dominante
O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende instituições de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos e os meios de comunicação. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que tende a considerar essas instituições como reprodutoras mecânicas da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade do início das transformações por intermédio do surgimento de uma nova mentalidade ligada às classes dominadas. 

Na escola prevista por Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chama de senso comum – conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado, mas continuam se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus direitos e deveres de cidadão.
                       Elogio do “ensino desinteressado”
Uma parte importante das reflexões de Gramsci sobre educação foi motivada pela reforma empreendida por Giovanni Gentile, ministro da 
Educação de Benito Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas o ensino tradicional, “completo”, e aos das classes pobres uma escola voltada principalmente para a formação profissional. Em reação, Gramsci defendeu a manutenção de “uma escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa”. Para ele, a Reforma Gentile visava predestinar o aluno a um determinado ofício, sem dar-lhe acesso ao “ensino desinteressado” que “cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo, liberta de toda magia ou bruxaria”. Ao contrário dos pedagogos da escola ativa, que defendiam a construção do aprendizado pelos estudantes, Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de estudo, o professor deveria transmitir conteúdos aos alunos. “A escola unitária de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino profissionalizante, com o qual se aprende a operar”, diz o pedagogo Paolo Nosella. “Em termos metafóricos, não se trata de colocar um torno em sala de aula, mas de ler um livro sobre o significado, a história e as implicações econômicas do torno.”

     MUSICAS:
                               Violeiros e cirandas: poesia improvisada
   A POESIA POPULAR DO NORDESTE pode se classificar em dois grupos bem caracterizados: a literatura de cordel e a poesia improvisada dos cantadores. O nosso romanceiro é, sem dúvida, originário do ibérico, mas tem hoje fisionomia própria, inclusive pela riqueza e variedade das formas de estrofes usadas. Dessas estrofes, as mais utilizadas são a sextilha, a décima de sete sílabas e o martelo agalopado, décima de dez sílabas cuja estrutura é a mesma usada no século de ouro na Península Ibérica.
Tais estrofes são as mais importantes tanto nos romances quanto nos desafios da poesia improvisada, existindo ainda, porém, o mourão, o galope à beira-mar, o martelo gabinete (sextilha de dez sílabas) entre outras formas menos importantes. Entretanto, apesar de se tornarem cada vez mais raros, ainda encontramos no sertão alguns romances ibéricos ou iberizantes compostos na forma monorrímica.
A cantoria, ou desafio, é a forma usada para a poesia improvisada. Dois cantadores, de viola em punho, às vezes durante toda uma noite, improvisam à maneira dos tensons provençais. O que existe de melhor nesses desafios é o tom jocoso, satírico.
                                                    
                                                                          Repentista
Personagem típico do nordeste, o repentista ganha a vida fazendo rimas e trovas para os turistas que encontra pela praia... Esbanjam simpatia e humildade, alem de um senso de humor inabalável apesar da dura e regrada vida que levam.

                                     Origem do termo "Forró"
Na etimologia popular é freqüente associar a origem da palavra forró à expressão da língua inglesa for all ("para todos"). Para essa versão, foi construída, no início do século XX, aferrovia Great Western. Os engenheiros britânicos, instalados em Pernambuco, promoviam bailes abertos ao público, ou seja for all. Assim, for all passaria a ser, no vocabulário brasileiro, forró.Outra versão da mesma história substitui os ingleses pelos estadunidenses e Pernambuco do início do século XX pela Natal do período da Segunda Guerra Mundial, quando uma base militar dos Estados Unidos foi instalada na cidade.
Verdade ou não, o certo é que o termo forró passou a caracterizar uma das maiores manifestações musicais do Nordeste brasileiro. Um ritmo que aglutina diversos outros ritmos, como o baião, o coco, o rojão, a quadrilha, o xaxado e o xote.
Há estudos linguísticos que comprovam, entretanto, que o termo forró deriva de forrobodó. Essa é a expressão original mais aceita, ficando a influência do inglês 'for all' questionada. Na época da construção das ferrovias usava-se o termo samba para designar festa, no Interior do Ceará. A denominação forró como ritmo musical e estilo de dança surge mais tarde.
Forró pé de serra: É o som feito pelos precursores do gênero, sempre com a presença do triângulo, sanfona e zabumba. 

Baião: Nascido de uma forma especial de os violeiros tocarem lundus na zona rural do nordeste (onde recebia o nome de baiano e era dançado em roda), esse ritmo foi transformado em gênero musical a partir de meados da década de 40, como resultado do trabalho de estilização feito por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, quando sofreu influências de ritmos como o samba e a conga. 

Xote: Ritmo de origem européia que surgiu dos salões aristocráticos da época da Regência. Conhecido originalmente com o nome schottisch, passando a ficar conhecido como chótis e finalmente xote. Saiu dos salões urbanos para incorporar-se às regiões rurais. 

Xaxado: O nome é uma onomatopéia, baseada no som que as alpercatas dos sertanejos faziam ao serem arrastadas durante os passos de dança. É uma dança do agreste e sertão pernambucano, bailada somente por homens, que remonta da década de 20. O acompanhamento era puramente vocal, melodia simples, ritmo ligeiro, e letra agressiva e satírica. Tornou-se popular pelos cangaceiros do grupo de Lampião. 

Coco: dança de roda do norte e nordeste do Brasil, fusão da musicalidade negra e cabocla. Acredita-se que tenha nascido nas praias, daí a sua designação. O ritmo sofreu várias alterações com o aparecimento do baião.

DANÇAS                                        
                                        Bumba meu boi
A dança folclórica do bumba meu boi é um dos traços culturais marcantes na cultura brasileira, principalmente na região Nordeste. A dança surgiu no século XVIII, como uma forma de crítica à situação social dos negros e índios. O bumba meu boi combina elementos de comédia, drama, sátira e tragédia, tentando demonstrar a fragilidade do homem e a força bruta de um boi.

O bumba meu boi é resultado da união de elementos das culturas europeia, africana e indígena, com maior ou menor influência de cada uma dessas culturas. A dança misturada com teatro incorpora elementos da tradição espanhola e da portuguesa, com encenações de peças religiosas nascidas na luta da Igreja contra o paganismo. O costume da dança do bumba meu boi foi intensificado pelos jesuítas, que através das danças e pequenas representações, desejavam evangelizar os negros, indígenas e os próprios aventureiros portugueses.

A história que envolve a dança é a seguinte: Um rico fazendeiro possui um boi muito bonito, que inclusive sabe dançar. Pai Chico, um trabalhador da fazenda, rouba o boi para satisfazer sua mulher Catarina, que está grávida e sente uma forte vontade de comer a língua do boi. O fazendeiro manda seus empregados procurarem o boi e quando o encontra, ele está doente. Os pajés curam a doença do boi e descobrem a real intenção de Pai Chico, o fazendeiro o perdoa e celebra a saúde do boi com uma grande festividade.

O bumba meu boi possui diversas denominações em todo o Brasil. No Maranhão, Rio Grande do Norte e Alagoas a dança é chamada de bumba meu boi, no Pará e Amazonas, boi-bumbá, em Pernambuco, boi-calemba, na Bahia, boi-janeiro, etc

                                          Pagode de Amarante (PI) 
de origem africana, o Pagode de Amarante é desenvolvido com os dançadores formando duas fileiras de pares que se cruzam sem obedecer a marcações coreográficas estabelecidas. Cada par improvisa movimentos com rodopios, sapateado e ginga. A música é executada por dois cantadores e ritmada no “gafanhoto”: consta de um pedaço de pau oco medindo cerca de quinze centímetros de comprimento, batido com um pedaço de madeira, tocado por todos os homens que dançam

                                                REISADO
O Reisado é uma dança de origem Ibérica, que se instalou em Sergipe no período colonial. Era dançado geralmente as vésperas do dia de Reis (6 de janeiro), em comemoração ao nascimento de Jesus e em honra ao Reis Magos, estendendo-se até fevereiro, para a prática ritual do enterro do boi.
Atualmente o Reisado é dançado em qualquer época do ano e em qualquer lugar ou evento. É considerado dança dramática que improvisa nas anedotas e charadas tiradas pelo caboclo e pela dona do baile, as mais típicas e diversificadas situações da região.
Durante a brincadeira, pessoas de destaque são envolvidas no diálogo, aliais sátira, humor e picardia são elementos próprios do Reisado. A figura do "Boi Janeiro" surge no meio da brincadeira, provocando delírio na platéia pois, que ele entra na roda, consegue trazer consigo toda a magia, todo um movimento de fascínio e fantasia.
Entendido como quase uma figura sagrada, o Boi, na verdade faz parte da vida do nordestino, que o sacrifica sempre em nome da sobrevivência. O Reisado costuma iniciar sua função as 22 horas, indo a depender da resistência dos seus participantes até o outro dia. É dançado em barraco de palha, porta de bodega ou casa de alguém que convida o grupo.

MITOS:
 Quando a água da torneira está quente, você não pode molhar as mãos porquê dá gripe.
- Se você sentar no cimento quente, você pega gripe e hemorróidas.
- Ficar com o guarda-chuva aberto dentro de casa, faz mal a saúde.
- Se uma mulher grávida sentar em uma tesoura aberta, o neném nasce com “defeito”.
- Comer Tapioca, Banana, Manga, Caju, Jaca ou cana e tomar leite, faz mal a saúde.
- Se tem uma pessoa olhando de mais para você, pode pegar mal olhado.
- Comer abacaxi depois tomar água (faz mal).
- Fazer vontade a  mulher grávida dá tersol.
- Se a mulher grávida não satisfazer a sua vontade, o bebe vai nascer com a cara do desejo.

- Comer e ir logo dormir faz mal a saúde.