Introdução
Partindo da bipartição entre Oriente e Ocidente
que remonta à Pré-história, quando da separação dos povos, línguas e religiões
- fenômeno unitário - é necessário demarcá-los para ter clareza quanto a sua
abrangência. Não podemos estudar o Oriente, sem saber o que o distingue do
Ocidente e sem considerar a existência dos vários Orientes.
Será que termos tão genéricos quanto filosofa
ocidental e filosofia oriental tem alguma unidade? Estarão incluídas nessa
bipartição todas as culturas da Terra? Que dizer das culturas africanas,
ameríndias, australianas etc? Há uma unidade cultural no Oriente?
Para responder a esta e tantas outras perguntas
congêneres, procedamos por etapas.
Primeira
Etapa: Ocidente e Orientes
Conforme o enigmático autor René Guénon
(1886-1951), crítico acérrimo do Ocidente moderno, pode-se perfeitamente falar
de uma mentalidade oriental oposta em seu conjunto à mentalidade ocidental mas
não se pode falar de uma civilização oriental como se fala de uma
civilização ocidental e já que há várias civilizações orientais nitidamente
distintas (1). Teríamos, assim, uma civilização ocidental e várias orientais.
Por outro lado, a unidade cultural (2) da civilização ocidental moderna só
repousaria num conjunto de tendências que constituem uma certa conformidade
mental, uma simples unidade de fato, sem princípio, desde que o Ocidente rompeu
com a Cristandade, seu princípio constitutivo até a Idade Média. Enquanto que
as civilizações orientais, por mais diversas que sejam, cada uma repousando
sobre um princípio de unidade diferente, trazem todas certos traços culturais
comuns, principalmente quanto aos modos de pensar, o que permite dizer que
existe, de um modo geral, uma mentalidade especificamente oriental (3).
Segunda
Etapa: Critério Geográfico
O ponto de partida para caracterizar o Oriente e
o Ocidente é geográfico, no entanto tais conceitos geográficos revelam profundo
conteúdo cultural. Nesse sentido, e em primeira instância, podemos dizer que o
Ocidente é fundamentalmente a Europa, o Oriente é fundamentalmente a Ásia.
Não é preciso salientar o imenso conteúdo cultural de tais realidades. A
oposição entre Oriente-Ocidente é a oposição Europa-Ásia. Então, estão
excluídas da bipartição Oriente-Ocidente todas as civilizações que não
pertencem à Eurásia, como as da África, da América, da Austrália, da Oceânia
etc. É um ponto assentado por historiadores, não sem contestação, que na Ásia
principiaram as primeiras civilizações humanas. Diz-nos o famoso historiador italiano
do século passado, Cesare Cantù (4)(1804-1895), que a Ásia é o breço do gênero
humano e da civilização, sendo não só a parte mais extensa do mundo como também
a mais favorecida pela natureza. Pelo menos para o início dos povos civilizados
a Ásia avantajava-se em relação à Europa. As primeiras grandes civilizações
nasceram no chamado Crescente Fértil, região que vai desde o Egito até a
Mesopotâmia. Nesse caso o Egito, apesar de ser África, tem sua história muitos
mais entremeada com a dos povos da Ásia do que com os da África, como a
Etiópia, inimigo irredutível da ordem egípcia.
Terceira
Etapa: Mitologia
Muitos contestam essa primazia da Ásia. As
cidades mais antigas do mundo estariam na América. Temos aqui uma problemática
complexíssima referente às origens humanas, bem como um intrincado labirinto de
mitologias, que apenas mencionamos porque muitos mitos estão relacionados à
bipartição Oriente-Ocidente. Apesar de muitas tradições, como a tradição
suméria, a persa e a hebraica colocarem o paraíso perdido na Mesopotâmia,
inúmeras outras insistem em colocá-las no extremo Ocidente. O mito da
Atlântida, por exemplo, que cativou profundamente a Platão (427a.C.-327a.C.) em
sua velhice, a ponto de tê-lo levado consigo ao túmulo (5), revela uma
participação primordial do Ocidente na civilização humana: uma ilha entre a
Europa e a América em que seu principal representante, Atlas, o atlante, está
ligado ao Jardim das Hespérides (Hespérides quer dizer Ocidente!), imagem do
Paraíso. Vários outros mitos orientais, como o do famoso Paraíso de Amida,
colocam o Paraíso no Ocidente (6). A América redescoberta é, no imaginário
europeu, a redescoberta do Paraíso. Este mito é a matriz geradora de todos os
posteriores mitos socialistas ocidentais. Não sendo esse tópico central para o
nosso tema, basta mencioná-lo. Consideramos serem necessárias muitas outras
descobertas e aprofundamentos para que se possa, talvez no futuro, desemaranhar
esse misterioso passado.
Quarta
Etapa: Etimologias
A palavra oriente vem do latim oriens, ‘o
sol nascente’, de orior, orire, ‘surgir, tornar-se visível’,
palavra da qual nos vem também ‘origem’. A palavra ocidente nos vem do latim occidens,
‘o sol poente’, de occ-cidere, de op, ‘embaixo etc’, e cadere,
‘cair’. Seríamos induzidos a seguinte analogia: da mesma maneira que o sol
nasce no Oriente e morre no Ocidente, assim também a cultura nasce no Oriente e
morre no Ocidente.
Os termos Europa e Ásia são mais incertos quanto
a suas raízes primitivas. A palavra europa, conforme o citado dicionário, é
provavelmente de origem semita, do acádico erebu, ‘entrar, por-se’ (dito
do sol), ereb chamshai, ‘por do sol’. Nessa hipótese, Europa que
dizer exatamente Ocidente. A forma E u r v p h , como no nome E u r -v p h ,
‘cara larga’, seria apenas um tendência de helenizar as palavras estrangeiras.
A palavra ásia, também viria do acádico asu, ‘ir-se, surgir’ (dito do
sol), significa, então, exatamente o mesmo que Oriente. Com isso, Ásia e
Europa, Oriente e Ocidente, são sinônimos.
Não são no entanto seguras essas etimologias de
Ásia e Europa. Uma coisa porém é certa, que o nome Europa está ligado ao mito
relacionando gregos e fenícios (7). Zeus, em forma de touro, rapta uma mulher
fenícia, a bela Europa.Assim, o nome Europa é nome que vem do Oriente, não se sabe,
porém, como.
Quinta
Etapa: Grandes Culturas
Quando se procura caracterizar o que seja uma
grande cultura, não se pensa em primeiro lugar num critério valorativo. Uma
grande cultura não é necessariamente uma cultura superior. É, porém, certamente
uma cultura que quer expandir-se, que quer totalizar seu espaço geo-político.
Por exemplo, a cultura que surgiu na confluência do Rio Amarelo e do Rio Wei,
na China, acabou por dominar todo o espaço da China. Ainda hoje temos
remanescentes de numerosas culturas na China que permaneceram em seu estado
tribal. Esta tendência à expansão, que podemos perfeitamente chamar de
imperialista, ou seja, de querer imperar universalmente, é um traço
característico do que se denomina uma grande cultura.
Ora, na Europa surgiu um grande sistema cultural
que culminou no que chamamos de cultura ocidental. O que caracteria a cultura
ocidental é ser esta a síntese de três culturas: a grega, a romana e a judaica,
esta na componente cristã. A esta cultura assimilaram-se e a dinamizaram os
povos germânicos. Então, nem a cultura grega, nem a romana e nem a judaica,
separadamente, constituem a cultura ocidental. Nesse processo de integração
entre essas três culturas, destaca-se, para complicar as coisas, um bloco
oriental, o greco-bizantino, em que a componente romana teve um papel
secundário, e que assimilou os povos eslavos. O Império Romano do Oriente e o
posterior Império Bizantino são por assim dizer o Oriente ocidental, o
"Oriente Europeu", mas não o que chamamos propriamente de Oriente.
Poderíamos dizer que suas duas capitais históricas, Roma e Constantinopla, hoje
estão representadas por Washington e Moscou. Tudo isso é, no entanto, Europa,
ou melhor, Ocidente. Deve-se constatar que foi a Rússia que se expandiu para a
Ásia. No entanto, esta tendência poderá inverter-se em favor da China.
Paralelamente, na Ásia, em que encontramos uma
incrível pluralidade de línguas e culturas, surgiram, depois de um longo
desenvolvimento histórico, três grandes sistemas culturais - e não um - que
foram denominados por sua relação de proximidade com a Europa de: 1.
Próximo-Oriente, 2. Oriente-Médio e 3. Extremo-Oriente, e que constituem o que
hoje se denomina especificamente de Oriente.
Sexta
Etapa: Os Três Orientes
:
Pode-se ver pelo mapa os três Orientes, clara e
geometricamente distintos, e que não haveria a menor possibilidade de confundir
o Próximo-Oriente com o Oriente-Médio.
Vejamos agora esses três Orientes.
O
Próximo-Oriente
O Próximo-Oriente é constituído pela cultura
árabe. Nem sempre foi assim. Tivemos, no passado, inúmeras culturas nesse mesmo
espaço: a cultura suméria, a egípcia, a assiro-babilônica, a persa, a judaica,
a grego-romana, a greco-bizantina etc. Hoje temos a volta dos judeus à
Palestina, rompendo a antigo equilíbrio. Temos que assinalar que hoje (vide o
mapa 2) confunde-se o Próximo-Oriente com o Oriente-Médio, principalmente no
Brasil. Havendo um conflito na Palestina nossa impressa e mídia eletrônica fala
de um conflito no Oriente-Médio, enquanto que a televisão alemã, em relação ao
mesmo conflito se refere ao Próximo-Oriente (Konflikt in Nahosten). É como se o
Próximo-Oriente não existisse mais! (8)
O Próximo-Oriente, segundo Guénon, começa nos
confins da Europa e extende-se tanto pela parte da Ásia, mais próxima da
Europa, quanto por toda a África do Norte. As populações bérberes da África do
Norte não se confundem com os árabes, no entanto, na medida em que possuem uma
unidade, esta é não somente muçulmana mas também árabe em sua essência. O grupo
árabe, no mundo muçulmano, é primordial, pois é com ele que o Islão nasceu e é
a língua árabe, a língua tradicional de todos os povos muçulmanos, qualquer que
seja sua origem e raça. Ao lado grupo árabe, há dois outros grupos principais,
o grupo turco-mongólico e o grupo persa. O primeiro compreende os turcos e os
tártaros, que apesar de racialmente diferirem dos árabes, destes dependem
culturalmente. Todos estes formam um conjunto que se opõe ao grupo persa,
formando a separação mais profunda que existe no mundo muçulmano, separação que
se exprime, ainda que não de todo extamente, dizendo que os primeiros são
sunitas enquanto que os persas são xiitas. No entanto, grupos muçulmanos encontram-se
também na Índia e na China. A Pérsia, por seu passado, raça, cultura e religião
antiga, e mesmo geograficamente, deveria pertencer propriamente ao
Oriente-Médio, mas hoje é inteiramente muçulmana.
O
Oriente-Médio
O Oriente-Médio é constituído pelo universo
cultural hindú (9). Propriamente deveria compreender duas civilizações: a hindú
e a dos antigos persas, mas a segunda como vimos passou para o Próximo-Oriente,
e os remanescentes parsis formam pequenos grupos na Índia e no Cáucaso. Então,
essa civilização indiana, compreende, em sua unidade, povos de raças bem
diversas, bem maiores que as diferenças encontradas em toda a Europa. No
entanto, esses povos são portadores de uma mesma cultura, uma mesma língua
culta: o sânscrito (10). Essa cultura hindú expandiu-se mais para o leste do
que para o oeste, em certas regiões como a Birmânia, o Cambodja, a Tailândia e
algumas ilhas da Oceânia. Sua maior influência deu-se através do budismo, em
grande parte da Ásia central e oriental.
O
Extremo-Oriente
O Extremo-Oriente constitui-se pelo universo da
cultura chinesa. Extende-se ao Vietnã, Coréia. O Japão também está incluído,
principalmente por ter adotado o sistema de escrita chinesa. Contudo, possui
também uma cultura própria, com elementos bem característicos e diferenciados.
Este mundo do Extremo-Oriente possui uma unidade racial bem mais acentuada do
que os outros Orientes. O que unifica esta cultura é principalemnte a língua
escrita chinesa comum. Poderíamos salientar que o Tibet, povo de raça chinesa, cuja
língua pertence ao grupo sino-tibetano, voltou-se para a cultura hindú, tendo
empregado inclusive um alfabeto derivado do alfabeto devanagari (11).
Sétima
Etapa: Expansão
Esta divisão é fundamental. Temos claramente
três Orientes distintos com suas línguas, religiões, culturas e histórias
diferentes (12). Essas quatro grandes culturas, o Ocidente e os três Orientes,
expandiram-se em várias partes do mundo. É importante ressaltar que as áreas
onde se expandiram essas culturas, são consideradas como pertencentes à mesma,
assim, por exemplo, o norte da África que já foi de cultura Ocidental-Cristã
hoje é de cultura Oriental-Islâmica. A Australia, no extremo leste, é de
cultura ocidental.
Conclusão
Há certamente uma origem pré-histórica da
bipartição Oriente-Ocidente, difícil de ser penetrada, marcando, para muitos,
uma diferença irredutível (13). Houve vários encontros entre Ocidente e
Oriente, desde a mítica Guerra de Tróia até as guerras em tempos históricos,
como as guerras greco-pérsicas. O escritor latino Firmianus Lactantius
(ca.250d.C.-330d.C.), convertido ao Cristianismo, diante da iminente derrocada
do Império Romano, disse que, conforme uma antiga tradição imemorial, o Império
Romano seria destruído voltando a ser asiático, e essa catástrofe precederia o
fim dos tempos (14). Parece incrível que tivesse permanecido na consciência
histórica dos romanos uma tradição que remonta à origem da separação
Oriente-Ocidente e que a volta da Europa à unidade indiferenciada seria a volta
ao caos.
Devemos considerar, para finalizar, que os três
Orientes estão vivos e presentes no mundo de hoje, e que depois da
ocidentalização global, através da revolução planetária da tecnologia, emergem
os mesmos, lutando pela supremacia no mesmo campo de batalha econômico-tecnológico
ocidental (15).
Para o mundo globalizado de hoje é preemente um
conhecimento recíproco profundo entre Oriente e Ocidente. O ponto de partida
deve ser uma demarcação clara do que sejam os três Orientes e o Ocidente em
suas unidades e oposições.
1- René Guénon - Introduction Génerále a l’étude
des Doctrines hindoues. Paris, Les Editions Véga, 1964. De interesse para este
artigo são os capítulos primeiro e segundo, pp. 53-65.
2- Usamos os termos civilização e cultura numa
relação análoga à de corpo e alma: substancialmente unidos sem confusão de
substâncias. Há, no entanto, grande variedade de acepções e usos quanto a esses
dois termos.
3- op.cit. p.53.
4- cf. Cesare Cantù - História Universal. buenos
Aires, Editorial Spena, 1950. Consultar o livro II, capítulos 1-5, sobre Ásia:
vol. I, p.103-125.
5- O mito é mencionado no Timeo 24d-25d e depois
tratado no Crítias 120e-121c, diálogo inacabado que termina com uma reunião dos
deuses por Zeus em que ele iria dizer o motivo do castigo dos atlantes.
6- Recomendo a sugestiva obra do autor russo
Dimitri Merejkowski (1865-1941): - Atlântida-Europa: O Mistério do Ocidente.
Belgrado, 1930. Dispomos da tradução italiana: L’Atlantide-Hoepli. Milão, 1937.
7- Gerhard Herm - A Civilização do Fenícios.
Otto Pine editores, 1979, pp 229-230.
8- Parece que a Índia depois de Jawaharlal Nehru
(1889-1964) retirou-se do cenário internacional. Assim, se explica que a
designação Oriente-Médio confunde-se com a de Próximo-Oriente.
9- Indicamos a obra de de Pierre Gourou - Le
terre et l’homme en Extrême-Orient. Paris, Flamarion, 1972.
10- Isto não impede que todas as etnias possuam
suas próprias línguas dialetais, os vários prakrti.
11- devanagari quer dizer ‘divina escrita de
cidade’, é o nome do alfabeto sânscrito.
12- Para ulteriores aprofundamentos recomendamos
a obra de Pierre Gourou - L’Asie. Paris, Hachette Université, 1971.
13- Como Rudyard Kipling (1865-1936), escritor e
poeta inglês e que de 1882 a
1889 foi jornalista na Índia. Em seu famoso romance Kim (1901), ambientado na
Índia, aprofunda o modo de pensar e agir recíproco dos inglese e hindús. É dele
a supreendente frase: O Oriente é Oriente, o Ocidente é Ocidente e não se
encontrarão nunca.
14- cf. Johannes quasten - Patrologia. Slamanca,
B.A.C., 1961, p.665-683.
15- Essa ocidentalização do mundo foi apenas
material, não espiritual, um Ocidente sem sua alma, o cristianismo.
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